~~ Rua Nascimento e Silva cento e sete / você ensinando pra Elizete... ~~ É essa a Carta ao Tom mais conhecida, de 1974. Dez anos antes houve outra Carta ao Tom, escrita num porto no dia 7 de setembro. É menos conhecida, igualmente bela, era lida por Vinicius na abertura de um clássico show que ele fez com Dorival Caymmi na boate carioca Zum-Zum.
Vinicius ainda dividia-se entre a música e a diplomacia, a parceria com Baden estava estourando e ele “estava feliz” com o sucesso de Garota de Ipanema nos Estados Unidos: “Vamos ver se desta vez os intermediários deixam “algum” para nós...”.
E lá no fim, o link pra ouvir a Carta lida por Vinicius que abre o show/disco Vinicius & Caymmi no Zum Zum
Porto do Havre, 7 de setembro de 1964
Tonzinho querido:
Estou aqui num quarto que dá para uma praça que dá para toda a solidão do mundo. São 10 horas da noite e não se vê viv’alma. Meu navio só sai amanhã à tarde e é impossível alguém estar mais triste do que eu estou. E como sempre, nessas horas, escrevo para você cartas que nunca mando. Você já passou um 7 de setembro, Tonzinho, sozinho num porto estrangeiro, numa noite sem qualquer perspectiva? É fogo, maestro!
Deixei Paris para trás com a saudade de um ano de amor, e pela frente tenho o Brasil que é uma paixão permanente em minha vida de constante exilado. A coisa ruim é que hoje é 7 de setembro, a data nacional, e eu sei que em nossa Embaixada há uma festa que me cairia muito bem, com o Baden mandando brasa no violão. Ainda há pouco telefonei para lá, para cumprimentar o Embaixador, e veio todo mundo ao telefone. Estão queimando um óleo firme!
Estou doido para ver você e Carlinhos e recomeçar a trabalhar. Imagina que este ano foi dedicado ao Baden, pois Paris não é brincadeira. Mas agora o tremendão aconteceu mesmo. A Europa teve que curvar-se. Mas ainda assim fizemos umas musiquinhas, como Formosa, você vai ver: - tudo sambão. Parece até que a saudade do Brasil, quando a gente está longe, busca mais a forma do samba tradicional do que a bossa-nova – não é engraçado? São como diria o Lucio Rangel, as raízes –
Vou escrever agora para casa pedindo dois “menus” diferentes para a minha chegada. Para o almoço, um tutuzinho com torresmo, um lombinho de porco bem tostado, uma couvezinha à mineira, e doce de côco. Para o jantar, uma galiazinha ao molho-pardo com um arroz bem soltinho – e papos-de-anjo! Mas daqueles como só a mãe da gente pode fazer. Daqueles que se a pessoa fosse honrada mesmo só devia comer metida num banho morno e em trevas totais pensando no máximo na mulher amada.
Fiquei muito contente com o sucesso de Garota de Ipanema nos Estados Unidos. E Astrudinha, hein? Que negócio tão direito! Vamos ver se desta vez os intermediários deixam “algum” para nós... Fiquei muito contente também com a notícia do sucesso de Berimbau aí no Brasil. Dizem que estão tocando a musiquinha para valer, e isso me agrada muito pelo Baden. E para que mentir – por mim também. É bom a gente saber que não foi esquecido, que o povo continua cantando as nossas coisas, pois no fundo mesmo é para ele que a gente compõe. Lembro-me muito bem quando fizemos o samba numa madrugada, há três anos atrás. Eu disse a Baden: - “isso tem pinta de sucesso” – e ficamos cantando e cantando o samba até o sol raiar...
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Esta é “a carta que não foi mandada” (realmente!) e com a qual inicio o show da boate Zum- Zum, ao lado de Caymmi, o Quarteto em Cy e o conjunto de Oscar Castro Neves, agora mouinhoado com a inclusão de Roberto Menescal. Como o terminamos quinta-feira próxima, e provavelmente de vez, publico-a a pedido da leitora Jussara Campos, que me declara “não ter dinheiro nem para ir ao Zum-Zum, nem para comprar o disco que já ouviu na loja”. E faço mais: convido Jussara a ir assistí-lo terça-feira. É só chegar ao Adolfo, o porteiro, e mandar me chamar, dizendo que é minha convidada.
http://www.mediafire.com/?nt11q0fhxc145zt