domingo, 22 de março de 2020

Quarenteneros


E assim, de repente e sem sinal claro de que aconteceria, veio o confinamento. Sair de casa significaria ir de encontro ao inimigo sem proteção para enfrentá-lo e com a possibilidade forte do extermínio. Muitos dos quarenteneros são sobreviventes, sobreviventes da Aids, que dizimou tanta gente.

Antes da coisa que agora ameaça, lembro, a promessa era: graças aos avanços da ciência, as pessoas viveriam 100 anos ou mais em breve. Era assim: os 50 eram os novos 40 e os 60, os novos 50... Estranhamente, mesmo nessa fase esperançosa, aposentadorias e direitos sociais dos mais velhos se tornavam risco para a economia dos países. Daí veio a foice e a quase velhice dos 60 virou os novos 70, a entrada do grupo de risco da coisa.
É a primeira semana sem sair de casa. E olha que ficar em casa é das minhas atividades preferidas, mas sem a obrigação de, é claro.

Um Beijo, Um Abraço, Um Aperto de Mão é título de peça que nem assisti e sempre achei poético. Os três gestos se tornaram proibidíssimos, mesmo com higienização, a palavra de ordem desses tempos duros. Nada de contato físico parece vir de alto- falantes instalados sobre todas as cabeças e mentes.

O isolamento humano só não é total porque existe algo chamado internet e com as redes sociais a possibilidade de interagir, ficar em contato com outros seres humanos. E o virtual, sempre pensei assim, é só um jeito novo de real, apenas ainda não testado totalmente.

E por mensagens, vem os amigos, alguns que não vejo olho no olho faz tempo. Assim, só pra dar sinais de vida, saber dos meus, essa gostosura chamada gente, que é pra brilhar, como disse o velho baiano.

Um amigo fala do LP da trilha do filme anos 90 que me deu e pergunta se o tenho. Está aqui junto com dezenas de outros que sobreviveram à mídias diversas e mando a foto pra ele.

E faz pouco me vem um cartão postal que enviei pra uma amiga amada no século passado. É delicioso ler o que escrevi então dou uma chorada leve - nada de novidade, sempre fui chorão, só que nos últimos dias ando lacrimando demais. Retribuo com palavras sinceras e uma foto das frangas que moram na janela da cozinha, a peça da casa onde estava quando chegou a mensagem. E vem um vídeo com as frangas dela, também na janela. As penosas daqui, invejosas, pedem vídeo também - atendo, claro.

E atento para um detalhe que percebi no vídeo vindo do sul: há um galo. Eu também tenho um galo, daqueles previsão de tempo e que foi presente da minha mãe, que amanhã completa 80 anos e também é quarentenera, também no sul.

Voltando ao galo do tempo: ele morava há anos na janela da sala e foi transportado pra da cozinha, junto das frangas todas. Está feliz feliz e azul azul, sinal de tempo bom. E sempre presto atenção aos sinais.


terça-feira, 17 de março de 2020

Elis, te amávamos tanto, guria!


Elis Regina e Caio Fernando Abreu

"Sempre acho que a gente pode continuar querendo agradar a quem já morreu. Gosto de pensar que quem já morreu fica lá num lugar quentinho, que a gente não vê, cuidando de quem ainda não morreu. E se você quiser agradar a essa pessoa, é só fazer coisas que ela gostava. Aí ela fica ainda mais quentinha e cuida ainda melhor da gente"

Está lá, logo no começo do infantil As Frangas, um Caio Fernando Abreu fundamental e dos meus preferidos do escritor. E hoje seria o dia dos 75 anos de Elis Regina, Caio F., que era três anos mais novo, a adorava e adoraria homenageá-la. Para agradar a Ele e a Ela, catei a foto dos dois juntos lá em cima e acho que a copiei da Paula Dip que, acredito, deva ser a Paula citada logo abaixo. E vou copiar um trechinho da relação dos dois, que tinham três anos de diferenças. É um parágrafo da crônica escrita logo após a morte de Elis Regina (no fim)

"Mas se ainda ontem, todo domingo de manhã, eu ia ao cinema Castelo assistir você cantando no Programa Maurício Sobrinho, da Rádio Gaúcha. Você vinha, com aqueles vestidos repolhudos, cantar Banho de Lua e aquelas versões tipo Fred Jorge (Vixe, como tô velho, guria!). No fim, todo mundo aplaudia em pé, dançava, e cantava junto. Depois, feito a Janis Joplin fez com Port Arthur, você saiu de Porto Alegre. Foi ser estrela na vida. Falavam mal, então, como falavam mal: porque isso, porque aquilo, que você chiava feito carioca, que era metida, que nem parecia ter saído ali do Partenom, que parecia que tinha Deus na barriga (descobri depois que você tinha mesmo, não na barriga, mas na voz). Nunca mais te vi ao vivo, só no finzinho do ano passado, no Anhembi. De repente você disse que queria falar com Deus. Eu me arrepiei. Parecido com quando você cantava Atrás da Porta. Ou quando, naquele inverno comprido, eu atravessava noites bebendo conhaque, ouvindo As Aparências Enganam. Uma vez, a Paula bateu na porta enquanto você cantava sobre esses enganos, essas aparências."



Quem quer brincar de boneca? Texto de Vange Leonel

O filme Barbie está por todo lado. E de tanto ouvir falar em boneca, me lembrei de um texto de Vange Leonel sobre elas e fui até grrrls - Ga...