E assim, de repente e sem
sinal claro de que aconteceria, veio o confinamento. Sair de casa significaria
ir de encontro ao inimigo sem proteção para enfrentá-lo e com a possibilidade
forte do extermínio. Muitos dos quarenteneros são sobreviventes, sobreviventes
da Aids, que dizimou tanta gente.
Antes da coisa que agora
ameaça, lembro, a promessa era: graças aos
avanços da ciência, as pessoas viveriam 100 anos ou mais em breve. Era assim:
os 50 eram os novos 40 e os 60, os novos 50... Estranhamente, mesmo nessa fase
esperançosa, aposentadorias e direitos sociais dos mais velhos se tornavam
risco para a economia dos países. Daí veio a foice e a quase velhice dos 60
virou os novos 70, a entrada do grupo de risco da coisa.
É a primeira semana sem sair
de casa. E olha que ficar em casa é das minhas atividades preferidas, mas sem a
obrigação de, é claro.
Um Beijo, Um Abraço, Um Aperto de Mão é título de peça que nem assisti e sempre achei poético. Os três
gestos se tornaram proibidíssimos, mesmo com higienização, a palavra de ordem
desses tempos duros. Nada de contato físico parece vir de alto- falantes
instalados sobre todas as cabeças e mentes.
O isolamento humano só não é
total porque existe algo chamado internet e com as redes sociais a
possibilidade de interagir, ficar em contato com outros seres humanos. E o
virtual, sempre pensei assim, é só um jeito novo de real, apenas ainda não
testado totalmente.
E por mensagens, vem os amigos,
alguns que não vejo olho no olho faz tempo. Assim, só pra dar sinais de vida, saber
dos meus, essa gostosura chamada gente, que é pra brilhar, como disse o velho
baiano.
Um amigo fala do LP da
trilha do filme anos 90 que me deu e pergunta se o tenho. Está aqui junto com
dezenas de outros que sobreviveram à mídias diversas e mando a foto pra ele.
E faz pouco me vem um cartão
postal que enviei pra uma amiga amada no século passado. É delicioso ler o que
escrevi então dou uma chorada leve - nada de novidade, sempre fui chorão, só
que nos últimos dias ando lacrimando demais. Retribuo com palavras sinceras e
uma foto das frangas que moram na janela da cozinha, a peça da casa onde estava
quando chegou a mensagem. E vem um vídeo com as frangas dela, também na janela.
As penosas daqui, invejosas, pedem vídeo também - atendo, claro.
E atento para um detalhe que
percebi no vídeo vindo do sul: há um galo. Eu também tenho um galo, daqueles
previsão de tempo e que foi presente da minha mãe, que amanhã completa 80 anos
e também é quarentenera, também no sul.
Voltando ao galo do tempo: ele
morava há anos na janela da sala e foi transportado pra da cozinha, junto das frangas
todas. Está feliz feliz e azul azul, sinal de tempo bom. E sempre presto
atenção aos sinais.
Um comentário:
Na gaveta dos guardados a cada dia uma emoção! Cartões escritos à mão
para desejar felicidade de qualquer dia ou de aniversário, álbuns, pensamentos! E as lágrimas vem à tona! Eu também chorei um pouquinho...mas aí fui pegar um sol lá fora e veio a feliz lembrança da redação do Diário do Sul! Saudades das gargalhadas, do barulho das teclas da Remington e da Olivetti! Tempo, tempo, tempo...Vai passar!
Um beijo, um abraço e um aperto de mão de Naum Alves se Souza. Eu vi a peça!
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