Fotos de Hélio Santos |
Cleyde
Yaconis completaria 90 anos hoje, 14 de novembro. Tive a honra de escrever Dama
Discreta, o livro dela para a Coleção Aplauso, lançado em 2004 e, desde então,
não nos perdemos de vista. Mesmo anos depois de o livro publicado, continuava
buscando material sobre ela. E nesse tempo todo, a internet facilitou muito a
pesquisa em jornais e revistas antigas.
Ainda nas
entrevistas para o livro, me impressionou que Cleyde Yaconis nunca havia sido
capa de revista. Bom, nas minhas lembranças há (será?) uma Manchete (ou Cruzeiro) dos
anos 60 com ela dividindo a capa com a irmã Cacilda Becker na peça Maria
Stuart. Na década de 70, um suplemento de tv da Amiga. Em 2009, ela e mais uma dúzia de
paulistanos ilustravam a capa da Veja SP. E nesse mesmo ano, foi
homenageada com uma bela capa da Olhares, da Escola Célia Helena, onde deu
aulas. Mas capa de revista assim da grande imprensa só com Cleyde Yaconis nunca
vi. E olha que ela foi uma das maiores atrizes desse país.
Ano passado,
encontrei na rede um exemplar da revista A Cigarra, de setembro de 1959 e na
capa, surpresa, estava Cleyde loira, jovem e linda. Corri ao telefone para
avisá-la da “descoberta”, como fazia sempre – lembro de quando achei um jornal
de dezembro de 1939 com a notícia da formatura ginasial dela. Descrevi as
fotos, a reportagem (claro que ela não lembrava de nada) e fiquei de levar o
material na próxima visita. Umas três semanas depois, Cleyde foi internada, era
o dia do último capítulo de Avenida Brasil, que ela assistiu no hospital. Fui
visitá-la no sábado final da manhã e levei a “capa”. Ela gostou muito e soube que mostrava
para os médicos. Seis meses depois, Cleyde faleceu no dia 15 de abril desse
ano, sem ter saído do hospital. Eu adoro essa capa de revista e o fato de que a
encontrei e mostrei para ela. É a única capa de revista com a grande Cleyde
Yaconis. Se outras existirem, adoraria conhecê-las.
Sobre a capa de A Cigarra: Cleyde tinha 35 anos de idade. A Criatura e a Personagem é o
título da matéria de A. Accioly Netto. É em primeira pessoa e trata
essencialmente de teatro. Funciona como uma palestra de Cleyde Yaconis e o que
ela pensava mais de 50 anos depois não era muito diferente do que está ali
publicado. É só ler O Amor Que Vem do Conhecimento, o primeiro capítulo de A Dama Discreta, para perceber as semelhanças. Abaixo, a matéria de A Cigarra.
A Criatura e a Personagem
- O teatro , como toda atividade artística,
não é apenas fator de cultura. É muito mais que isso, pois o grau de
civilização de um povo pode ser medido de acordo com o grau de desenvolvimento
do seu Teatro. O “representar” faz parte do homem, está dentro de si, podendo
ser considerado como sua mais primitiva necessidade. Ontem, como hoje e sempre,
o homem fará Teatro. Observemos as crianças... Elas brincam? Sim, mas
representando sempre! Eu, por exemplo, que nunca pensei, quis ou pretendi ser
atriz, detestava declamar na escola, “brincava”, no entanto, de “casinha”,
recebendo as visitas como dona de casa ou fazendo de modista para garotas de 4
a 10 anos, maquiladas e vestidas de “gente grande”, enrolando-nos em toalhas de
mesa com franjas, de sapatos altos e nos dando nomes estranhos e inexistentes.
Durante horas improvisávamos textos, inventávamos danças, compenetradas de que,
de fato, éramos outras pessoas. Os garotos também se transformavam em bandidos,
mocinhos, heróis, chegando à preocupação da escolha dos tipos para diferentes
papéis. Com o correr do tempo, porém, poucos são os que se dedicam à arte
teatral. A maioria fica constituindo o público. De ambos, porém, dependerá o
futuro do Teatro, pois de nada adiantarão os esforços conjuntos dos autores e
atores em fazerem bom teatro, se o público não os apoiar com sua presença.
Mesmo procurando divertir, deverá o Teatro ter sempre em mira o “fator
cultura”, do contrário fugirá da sua finalidade. Voltando ao princípio,
portanto, essas crianças que representavam por insinto, quando tornadas adultos,
indicarão, pelas suas exigências de arte e de teatro, o nível de cultura a que
atingiram.
Importante dentro do teatro é toda obra
completa, isto é, literatura, arquitetura teatral, conteúdo humano, obra social
etc. Para mim, tanto é importante (no sentido exato da palavra) transmitir a
cultura, como divertir, trazer alegria e bem-estar ao publico. Nos gêneros mais
populares, portanto, também deveria ser exigido o melhor. O “boulevard” por si
só não pode ser considerado importante como obra teatral. Possui, porém, certo
valor dentro do teatro, quando executado primorosamente com a finalidade
precípua de distrair, o que não deixa de ser importante. Quando levado à cena,
tem que ser mais do que nunca “bom”. É preciso não esquecer que o grau de
civilização de um povo também se pauta pela exigência que ele faz ao gênero
“boulevardier”. Eu mesma, como público, aceito até a alta comédia. Contudo,
quando cansada, nervosa, exausta da vida que levo, prefiro, às vezes, um filme
musicado, leve, colorido, de final feliz... Mas principalmente nessas
películas, sou intransigente no que diz respeito à sua qualidade. Como atriz,
acho ótimo intercalar no repertório sério a comédia inconsequente, tipo
“boulevard” de categoria, pelo descanso dos ensaior, mas estou sempre
apavorada, com medo de que a peça “pegue” e fique quatro meses em cartaz! O
ideal seria, dentro de um repertório pesado, difícil, árduo para os atores, uma
peça leve que servisse como repouso para atores e público, mas que ficasse
pouco tempo em exibição. No TBC, por exemplo, foi incluida entre a peça
“Jornada”, de O´Neill e “Maria Stuart”, a peça de Hugh Mills, “Perigos da
Pureza”. O fito da programação foi divertir o público e os atores. Apesar
disso, a peça exigiu desses últimos, o maior de seus esforços para levar a cabo
uma representação no estilo de uma época de fim de século, quando se combatia
os convencionalismos da Comédie Française e do Teatro de “Boulevard”. Aliás,
como todos sabem, esse sistema de intercalação de peças leves é usado nas
melhores companhias do mundo inteiro. A elite do teatro poderá assistir a uma
peça pelo prazer do texto, apenas como forma literária, mas a massa do público
espera sempre mais alguma coisa e deve receber. Como atriz prefiro sempre os
textos que contenham uma ideia, uma mensagem.
O ator só poderá chegar a viver integralmente o personagem quando a sua criação é o produto de estudo e composição. No estudo e na preparação de um personagem é necessário considerar o presente, o passado e o futuro, assim como as relações deste personagem com os outros. Quanto mais perto conseguirmos chegar, mais nos sentiremos como ele próprio. Tomando a Elizabeth, por exemplo, posso dizer que após três anos da primeira representação, reensaiando o papel, gradativamente sinto que a própria Elizabeth vai se aproximando de mim ou eu dela. Todos os problemas reais dessa criatura extraordinária vão interferindo no texto de Schiller. As razões políticas, religiosas e femininas que tanto influíram em seus atos cruéis, vão abrindo diante de meus olhos extasiados novas facetas para a representação dessa personagem. Esse mesmo fenômeno acontece quando contraceno com os meus colegas. Quanto mais próximo do personagem nos achamos, tanto mais nos identificamos com ele. Posso dizer, portanto, que chego a sentir verdadeiro ódio de Maria Stuart, quando contraceno com Cacilda Becker. Somos seres humanos, e não máquinas que se ligam à hora de entrar. Para qualquer artista são necessários, antes de sua apresentação, não somente a concentração, como também a abstração e o maior afastamento possível dos problemas que o afligem. Quando não o consegue completamente, a representação poderá, às vezes, se ressentir de falhas. Isso tanto no que diz respeito a preocupações, como ao mal estar físico, doenças, etc. Para qualquer ator, porém, pior do que 40 graus de febre ou dores tremendas, é a voz se achar afetada. As doenças, no entanto, desaparecem ou diminuem de 80% ao se entrar em cena. Do mesmo modo, não se sente, no palco, nenhum ferimento que resulte de queda, corte, pancada ou qualquer outro acidente.
A influência do personagem é exercida na vida
comum, principalmente durante o estudo e a sua preparação, pois se dorme e acorda
pensando no papel. Durante o dia, nesse período de busca contínua qualquer
incidente com coisas ou pessoas constitui material para a construção do
personagem. Quando a represento, ela não interfere diretamente no meu modo de
agir ou de pensar. Continuo sempre sendo eu mesma, embora certos papéis possam
me trazer, com a continuidade da representação, estados psicológicos diversos,
tais como depressão, irritação, nervosismo ou mesmo uma certa euforia. Fatos de
minha vida íntima também não interferem na apresentação da personagem que eu
represento. Quando o papel é bom, não tenho preferências, tanto represento com
prazer o cômico como o dramático. Papel bom não é exclusivamente o de
protagonista e, sim, aquele que foi ideado pelo autor de tal forma que dê margem
ao artista constituí-lo totalmente. Os papéis indesejáveis são, portanto, os
mal idealizados, abandonados pelo autor, ou incluídos na peça sem outra
finalidade senão a de prestar algum esclarecimento ao entrecho. Enfim, a minha
preferência é decididamente para os papéis característicos, tanto no setor
cômico como no dramático.
Eu entrei para o teatro por acaso. Fiquei
como meio de vida e continuei por vocação. Comecei no TBC, em 1950, onde
permaneci até 1957. Saí para formar a companhia com gente já conhecida do TBC.
No TBC aprendi tudo que sei graças as oportunidades e aos diretores excelentes
que tive: Ziembinski, Celi, Salce, Bollini e Vaneau. Nestes mais de sete anos
representei em mais de 30 peças e recebi três prêmios: 1953 – Governador do Estado
– Senhora Frola, 1956 – Saci – Conjunto das interpretações do ano, 1957 –
Medalha de Ouro da ABCT do Rio de Janeiro – Leonor de Mendonça. Meus papeis
favoritos até hoje: Senhora Frola em “Assim É, Se Lhe Parece”, direção de Celi;
Luci, em “Mortos Sem Sepultura”, direção de Bollini; Elizabeth, em “Maria
Stuart”, direção de Ziembinski; Coroba em “O Santo e a Porca”, direção de
Ziembinski; Elisa, de “A Rainha e os Rebeldes”, direção de Vaneau. O papel mais
difícil é o que me dá mais trabalho, continua sendo Elizabeth. Acidentalmente
entrei para o teatro e nele continuo. Não posso saber se poderia viver longe
dele, antes que isso aconteça. Sempre desejei ser médica e sinto ainda a vaga
melancolia de um sonho não realizado. Nenhuma outra profissão, pelo fato de ser
rendosa, me afastaria do teatro e, se enriquecesse subitamente, hoje aplicaria
¾ da fortuna no teatro e ¼ reservaria para um outro desejo: propriedade
agrícola, pois já possuo até uma pequena chácara. Amanhã, talvez, minhas ideias
não sejam as mesmas a respeito de aplicação de capitais... O meu futuro, dentro
dos meus planos, não vai além da excursão do TBC à Europa, porque 24 horas do
meu dia estão tomadas com os preparativos para essa viagem. Não me sobra tempo
para divagações...
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