Entrevista de
Clarice Lispector é pra se comemorar. No final de 2011, quinze delas foram reunidas em um
livro da série Encontros da editora Azougue (no final, links para a primeira entrevista). Dia desses, num dos meus processos de escavação, encontrei essa abaixo, publicada no
jornal Última Hora em julho de 1969, quando ela lançava Uma Aprendizagem ou O
Livro dos Prazeres, livro que começa com vírgula e acaba com dois pontos. É bem interessante.
Sempre em
tom maior
Texto de
Norma Pereira Rego
- Estou muito
menos altiva, muito mais ao alcance das pessoas.
Essa foi a
primeira resposta que me deu Clarice Lispector. Logo que entrei na sua sala de
visitas vi um pequeno quadro com uma linda mulher. Era ela. Pintada por De
Chirico, no tempo em que morava em Roma. Ela ainda tem os mesmos olhos
amendoados de forma esquisita e a mesma boca forte. Só as maças do rosto já não
são salientes porque o rosto está mais cheio. Tirei da bolsa dois livros para
ela autografar.
- O primeiro
livro e o último.
Foi o seu
comentário. Era uma velha edição portuguesa de Perto do Coração Selvagem e
outra novíssima lançada agora pela Sabiá: Uma Aprendizagem ou O Livro dos
Prazeres.
- Achei O
Livro dos Prazeres muito mais fácil de ler do que qualquer um dos seus outros
sete. Acha que isso tem algum fundamento?
- Tem. Eu me
humanizei. O livro é um reflexo.
No livro
Laços de Família há um conto que eu choro toda vez que leio. Chama-se
Preciosidade. Clarice narra o momento em que uma adolescente áspera, fechada em
si mesma, descobre que precisa começar a se suavizar.
- Se aquele
seu personagem, aquela menina de quinze anos tivesse hoje quarenta, você acha
que ela ainda continuaria se sentindo “feia e preciosa”?
- Não é se
sentir, é saber que dentro da gente existe alguma coisa a salvaguardar com
muito cuidado porque é muito frágil.
CRIANÇA E CRIADA
- O Livro dos
Prazeres foi o último, não pretendo mais escrever.
- Por quê?
- Ora! Porque
dói muito.
Ela começou a
rabiscar com sete anos, aos quinze publicou seu primeiro romance. Nunca pensou
em fazer poesia. Veio do Recife com doze anos de idade. No Rio casou-se com um
diplomata e viveu em vários paises. Tem três filhos. Não admite seu estilo
influenciado pelo de nenhum escritor.
- Você vê o
Lawrence que eu ano não tem nada a ver com o que eu escrevo.
- Nem
Katharine Mansfield?
- Não. Ela
tem um estilo intimista e valoriza pequenos fatos do cotidiano, não creio que
este seja o meu modo de escrever.
Todo escritor
brasileiro surgido nos últimos 20 anos leu Clarice Lispector. Alguns foram
marcados por ela, outros a copiam tranquilamente. Ela tem mesmo algo de
fortemente pessoal em matéria de estilo e se parece com seus livros. É densa,
sem sombra de humor, sempre sustentando o tom maior, assim como Lucio Cardoso
que era seu amigo.
O bacana é
que nunca escamoteou o fato de ser mulher ao fazer suas histórias.
- Claro, eui
respeito demais a mulher para tentar escondê-la.
Vestir um
vestido de fustão no verão, sair correndo para comprar um maiô novo,
bisbilhotar o quarto da empregada são vivências femininas que ela não pensa em
esquecer. Quer dizer, com Clarice ficou provado que criança e criada são temas
ótimos, depende de quem os tocar.
DOIS PONTOS E VÍRGULA
- Já me
disseram que esse não vai ser o meu último livro porque eu o terminei com dois
pontos.
- E começou
com virgula, não é?
- É, mas
começar com vírgula não é gracinha não, eu peguei a mulher no meio da vida, no
meio de um pensamento.
- Esse livro
foi escrito há muito tempo?
- Não, de um
ano para cá.
- Você mexe
muito no passado?
- Para
escrever, não: invento tudo.
- E no dia a
dia?
- No dia a
dia eu mexo muito com o passado.
Ela me pediu
que a entrevista fosse curta, estava cansada. Lembro agora a última frase de um
de seus romances: “De qualquer luta ou cansaço me levantarei forte e bela como
um cavalo novo”. Isso foi uma profissão de fé. Clarice, seus leitores esperam
mais livros.
A Primeira entrevista de Clarice - Parte 1
A Primeira entrevista de Clarice - Parte 2
A Primeira entrevista de Clarice - Parte 1
A Primeira entrevista de Clarice - Parte 2
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