Capa Última Hora: Sexta-feira, 8 de maio de 1964 |
“Uma noite, quando
saía do espetáculo Vereda da Salvação, tinha cinco carros da polícia na porta
do TBC me esperando. Eu saí com o Stênio (Garcia, então marido dela), estava com o meu carro e ele me levou
até a porta do DOPS, lá perto da Estação da Luz. “Corre e avisa a Cacilda”, disse
para ele. Meia hora depois que eu cheguei no DOPS, começou uma chuva de
telefonemas de gente influente que a Cacilda tinha contatado. Parece que eles
iam me mandar para não sei onde, mas daí vieram os telefonemas dizendo “não
toquem nessa moça”. Em meia hora, a Cacilda pôs São Paulo em pé. Ela era
danada, tirou muita gente da cadeia e escondia no apartamento dela, os padres
dominicanos, Flavio Império, Guarnieri. Cacilda era intocável.
Não sei porque me
prenderam. Parece que encontraram o meu nome e do Flávio Rangel na lista de uma
reunião não sei de quem. Nunca tive uma atividade política, como tiveram vários
conhecidos meus, de assaltar banco para pegar dinheiro. O que eu tinha feito era
absolutamente legal, como assinar abaixo-assinados pró-Fidel Castro na época da
Revolução Cubana, ou quando teve a renúncia do presidente Jânio Quadros para
que seu vice, o João Goulart, assumisse. Eram todas atitudes democráticas.
Todas as minhas atitudes eram de pessoa consciente mas democrática, nada a ver
com ação de luta, guerrilha, nada disso. Mas parece que eles encontraram meu
nome numa lista com o Flávio, que foi preso várias vezes.
Com Ruth de Souza, Stênio Garcia e Raul Cortez: Vereda da Salvação |
Quando cheguei, eles
me puseram na cela, a porta não era gradeada, era aquela porta de ferro com
aberturinha. A porta abriu e eu vi uma pessoa falando assim “Cleyde, Cleyde
você aqui”. Era o físico Mario Schemberg que estava preso lá. E eles tiveram
que esvaziar uma cela porque só tinha eu de mulher. Todos os que estavam em
duas celas foram colocados em uma só e eu fiquei na outra. Era maio, fazia frio
e era cimento, uma laje de cimento. Só que a Cacilda me tirou logo. Foi uma
situação pavorosa, mas eu não entrei em pânico, consegui ficar calma.
De autores de esquerda,
eu só tinha feito Guarnieri. Jorge Andrade era um homem de esquerda sim, mas
não comunista. Do partido comunista eram o Dias Gomes e o Guarnieri. Mas eu
tinha uma atitude de esquerda, isso sim, como até hoje, um posicionamento de
esquerda, não de direita, claro. Como hoje. Tenho uma atitude de esquerda e
contra o abuso do poder, me revolto com a má distribuição de renda, com a fome
no Brasil, com a corrupção...Então se tiver uma revolução hoje vão me prender
também, porque a minha atitude continua sendo a mesma.”
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