domingo, 5 de julho de 2015

Quando os bares gays eram uma porta escura em algum lugar de Manhattan

Rooney Mara e Cate Blanchett no filme de Todd Haynes
Soube da existência de Carol, filme de Todd Haynes que passou no último festival de Cannes e ainda inédito aqui, e fui atrás do livro em que se baseia. É Carol (The Price of Salt), o segundo romance de Patricia Highsmith, publicado em 1952 sob o pseudônimo de Claire Morgan. “Trata-se claramente do primeiro livro de prestígio a abordar o lesbianismo com uma certa naturalidade, sob uma atmosfera de suspense que caracteriza todos os trabalhos da autora, mas também com direito a diálogos francos, um humor emotivo e personagens enternecedores”, está na contracapa da edição da L&PM Pocket. É daqueles livros pra se apaixonar, pelas personagens (a jovem Therese e Carol, a dona de casa trintona, suburbana e elegante), pela época em que se passa... Ao final, um pós-escrito que Patricia Highsmith escreveu em 1989, seis anos antes de morrer. É tão esclarecedor que vai abaixo o último parágrafo.


A edição L&PM
Sob pseudônimo
“Minha jovem protagonista, Therese, pode parecer uma violeta retraída no meu livro, mas aquela era a época em que os bares gays eram uma porta escura em algum lugar de Manhattan, e as pessoas que os frequentavam saltavam do metrô uma estação antes, ou uma depois, da estação certa, com medo de desconfiarem que eram homossexuais. O atrativo de The Price of Salt era o seu final feliz para as duas personagens principais, ou pelo menos haveria uma tentativa das duas compartilharem um futuro juntas. Antes desse livro, os homossexuais, masculinos e femininos, nos romances americanos, eram obrigados a pagar pelo seu desvio cortando os pulsos, se afogando em piscinas, ou mudando para a heterossexualidade (assim se afirmava) ou mergulhando – sozinhos, sofridos, rejeitados – em uma depressão dos infernos. Muitas cartas que me chegavam traziam mensagens do tipo, “O seu é o primeiro livro assim com um final feliz! Nós todos não nos suicidamos e muitos estão passando muito bem”. Outras diziam, “Obrigada por você ter escrito uma história assim. É um pouco como a minha própria história...”. E, “tenho dezoito anos e moro numa cidade pequena. Me sinto solitária, porque não posso falar com ninguém...”. Às vezes eu escrevia uma carta sugerindo que o missivista se mudasse para uma cidade maior onde teria a oportunidade de conhecer mais pessoas. Conforme me lembro, havia cartas tanto de homens como de mulheres, o que eu achava um bom auspício para meu livro. Isso acabou sendo verdade. As cartas pingaram durante anos, e mesmo agora chega uma carta, uma ou duas vezes por ano, de algum leitor. Nunca escrevi outro livro como este. Meu livro seguinte foi The Blunderer. Gosto de evitar rótulos. São as editoras americanas que gostam deles.” Patricia Highsmith em 24 de maio de 1989.

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