quarta-feira, 16 de maio de 2018

O petróleo é nosso: EUA odeiam isso. E faz tempo




O interesse americano pelo petróleo brasileiro vem originando golpes. Há quem ache isso paranoia, mas é uma situação que vem de muito tempo. Duvida? Olha então o que aconteceu com o lendário jornalista Justino Martins (1917-1983), editor da cultuada Revista do Globo, de Porto Alegre, correspondente na Europa do jornal O Globo e diretor-editor da revista Manchete por muitos anos. Na revista Status, de maio de 1975, ele falou de sua carreira para Gilberto Mansur e Daniel Más. É uma bela entrevista. E o que interessa aqui é quando ele conta que teve o visto negado pelos Estados Unidos, na metade dos anos 40. O motivo: "Você pode dizer tudo o que quiser contra o Governo americano, mas você escreveu contra a Standard Oil (Esso), que é que eu posso fazer?", ouviu do cônsul. Abaixo um trecho da entrevista, e na última pergunta ele conta a negativa do visto. E no fim da entrevista, alguns anúncios da Standard Oil (Esso) nos anos 40. Esse ao lado saiu na revista O Cruzeiro, em 1947

Revista Status, Maio de 1975

Status: Na Revista do Globo, você é quem dava a linha política?
É. E era uma linha definida; eu fazia uma revista que lutava contra a ditadura de Vargas, e que depois lutou pela libertação de Prestes, pela campanha do petróleo é nosso...


Status: E por causa disso, você acabou na Europa?

Eu fui para a Europa, logo depois da guerra, em 1946, por dois motivos: primeiro, porque todo brasileiro tem certo atavismo, né? Mesmo em terceira geração, vive olhando pra Europa. E eu, de tanto ler literatura francesa, queria ir para a Europa. E o segundo motivo é que como não pude ir para os Estados Unidos fui para a Europa. Proibido de ir para Siracuse fui para Siracusa.


Status: o motivo político
Eu tinha tomado umas posições de esquerda e estava, politicamente, muito ilhado aqui. Foi quando recebi um convite do Ministério da Educação dos Estados Unidos para dar um curso de literatura numa grande universidade de Nova York, a de Siracuse. Aquilo era uma honra, sobretudo porque eu era um cara jovem. É que, durante a guerra, tinha vindo ao Brasil um coronel - era um professor, mas vestido de coronel - junto com o John  Ford, aquele diretor de cinema. Vieram fazer filmes documentários para esse negócio de guerra e eu é que acompanhei os dois no Rio Grande do Sul. Depois, o tal professor-coronel chegou a Ministro da Educação dos Estados Unidos. E quando a universidade pediu pra ele um professor de literatura brasileira, ele se lembrou de mim.


Status: E você não pode ir?
Pois é. Teve até um banquete oferecido pela Assemblía do Rio Grande e eu aí me enfeitei todo e disse vou-me embora. Pedi licença na Livraria do Globo, que já tava querendo se livrar de mim porque eu estava fazendo uma revista praticamente comunista, embora não fosse filiado ao partido e nem pensasse nisso. Tudo pronto, fui pedir o visto no Consulado e o que aconteceu? Fui uma das primeiras pessoas a ter visto negado pelos Estados Unidos. Em boa companhia: o Dante Santoro, aquele compositor clássico, que tinha recebido um prêmio nos Estados Unidos e ia buscá-lo; o Picasso, na França, que tinha pedido o visto e acabou nunca embarcando, e eu.


Status: Você foi considerado um inimigo do Estados Unidos?
Eu cheguei, pedi o visto e o cônsul me disse: "Não podemos lhe dar o visto porque você é inimigo dos Estados Unidos". Aí eu disse: "Poxa, eu passei a guerra toda lutando a favor da causa aliada, contra o nazismo, contra a gestapo no Brasil, o facismo, integralismo, o diabo a quatro, que negócio é este?" Ele então abriu uma gaveta e me mostrou um dossiê com tudo que era reportagem minha sobra a campanha do petróleo, Monteiro Lobato, essas coisas, e me disse esta frase: "Você pode dizer tudo o que quiser contra o Governo americano, mas você escreveu contra a Standard Oil, que é que eu posso fazer?" Era uma época em que a Standard Oil pagava páginas inteiras nos jornais do Brasil com histórias em quadrinho, "provando" o mau negócio que o Brasil faria se nacionalizasse a riqueza do subsolo.

Abaixo, alguns anúncios da Standard Oil (Shell) nos anos 40

Diario de Noticias, 1945
O Cruzeiro

A Cigarra, 47

 

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