Com os colegas do TEN, Ruth de Souza conversa com Albert Camus: 26 de julho de 1949, Teatro Ginástico, Rio |
Quando morre um artista que eu admiro, costumo mergulhar na trajetória dele, lendo tudo que posso a respeito. É o meu jeito de dizer adeus e agradecer. Com Ruth de Souza foi assim, procurei em revistas antigas, li várias entrevistas e três livros com ela de protagonista (no final). É impressionante a lista de "celebridades" com quem Ruth conviveu, afinal sua carreira artística começou na metade da década de 40. Albert Camus foi um que me chamou atenção e, como uma coisa leva a outra fui atrás.
Ruth o conheceu em 1949,
durante a viagem do francês ao Brasil e América Latina. No livro Estrela Negra
(Coleção Aplauso), ela conta que guardava uma dedicatória dele: "À minha
filha Ruth-Cesônia, de seu pai ocasional com toda a gratitude e agradecimento"
(Nota: Cesônia era a personagem de Ruth na peça). No Rio, Camus foi assistir a
uma apresentação especial do Teatro Experimental do Negro (TEN), grupo
pioneiro onde Ruth era estrela, no Teatro Ginástico.
Às pressas e sem dinheiro, Abdias
Nascimento (o fundadador do TEN) decidiu montar um ato de Calígula, peça de
Camus, para apresentar ao autor. Foi uma só apresentação e o espetáculo não foi fotografado. E junto com Calígula, Camus também assistiu o
segundo ato de Aruanda, de Joaquim Ribeiro, uma das primeiras peças a abordar o
universo místico do negro brasileiro. Fui atrás de uma foto de Ruth e Camus e encontrei
a que está lá em cima, do arquivo de Abdias Nascimento, na Quilombo, revista
que ele editou em 1950 e publicada em 2011 na Memorabília da Ilustríssima
(Folha).
No livro Diario de Viagem (editora Record), Camus conta da apresentação, sua impressão de Calígula e faz um resumo
interessante de Aruanda. Foi há 70 anos, 26 de julho de 1949, ele está de cama,
com febre, resultado de uma gripe.
Ruth em Aruanda |
"Noite. Alguém vem me
buscar. Eu havia esquecido que o grupo negro deveria me mostrar hoje à noite um
ato de Calígula. O teatro está reservado, não se pode fazer outra coisa.
Agasalho-me como se fosse para o polo Norte e vou de táxi.
Estranho ver esses romanos
negros. E depois, o que me parecia um jogo cruel e vivo tornou-se um arrulhar
lento e terno, vagamente sensual. Em seguida, desempenham para mim uma peça
brasileira curta (nota: é o segundo ato de Aruanda), que me agrada muito e cujo
assunto transcrevo:
"Um homem, frequentador
assíduo de macumbas, é visitado pelo espírito do amor. Atira-se então sobre sua
mulher, que se deixa por ele enlevar e apaixona-se por esse espírito. Com o
mesmo canta, provoca a vinda do espírito tantas vezes quanto possível, o que dá
ensejo, no palco, a bacanais animadas. Finalmente o marido compreende que ela
não está apaixonada por ele, e sim pelo Deus, e mata a mulher. No entanto, ela
morre feliz, pois está convencida de que irá se encontrar com o Deus que
ama."
Ruth de Souza em livros
Estrela Negra, de Maria Ângela de Jesus - Biografia para a Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial SP. Link: http://aplauso.imprensaoficial.com.br/livro-interna.php?iEdicaoID=42
Álbum de Retratos, por Haroldo Costa. Como explicita o título, uma série de belas fotos, em ordem cronológica
Bastidores, de Simon Khoury. Entrevista longa de Ruth.
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