Implico
com simpatia, com a obrigação de tem de ser. E nem vou citar exemplos, mas canso
de ouvir “Ah, fulano não é simpático, sicrana é uma simpatia” e simplesmente
esquecem de algo que se chama falsa simpatia ou simpatia profissional. Bom,
isso pra falar de um texto que encontrei mexendo em livros. Tenho a mania de
anotar a lápis na última página sobre certos assuntos que me chamam atenção. Em
O Senhor Embaixador, de Erico Verissimo, estava escroto: “386 – Brasil”. Havia
lido esse livro em julho de 1993 (tá anotado lá também) e claro que não lembro
da história e, muito menos, do que significaria a anotação “Brasil”. Fui à
página marcada e me deparei com uma visão sobre o país e os brasileiros. É bom
lembrar que O Senhor Embaixador saiu em 1965, muita água rolou desde então, mas
o poder de fogo do texto do Erico Verissimo continua. Tem muito do que penso sobre
simpatia e vou copiar aqui esse trecho. É uma fala do personagem Gonzaga com
Clare, logo após um escândalo sobre uma grande compra de feijão podre. Em dia
de “humor negro” e já meio “alto”, Gonzaga é implacável:
-
Feijão podre! Um símbolo de nosso regime, da podridão de nossos governantes e
políticos. O Brasil, Clare, é um país saqueado. De fora para dentro. De dentro
para fora. De cima para baixo... Ninguém nunca é responsabilizado por coisa
alguma. Ninguém vai para a cadeia. Ó não! Somos encantadores, temos corações de
ouro maciço! Inventamos as anedotas mais engraçadas do mundo. Achamos que todos
devem nos adorar, pois não somos hospitaleiros e bons causeurs? Fazemos troça de todos, inclusive de nós mesmos. Temos
remédios infalíveis para os males de todos os países, menos para os do nosso. A
simpatia no Brasil é a grande panaceia. E é nessa simpatia, Clare, nesse
bom-mocismo (que torna o convívio com o brasileiro individualmente tão agradável),
que reside nossa desgraça como nação! No Brasil tudo está bem se um sujeito é
simpático. Por simpáticos (e também irresponsáveis e levianos) esperamos que as
coisas nos caiam do céu, Por simpatia votamos em homens incompetentes e ou
desonestos para os cargos públicos. Se somos governantes ou políticos, por
simpatia dizemos sim a tudo o que nos pedem, emborar depois não cumpramos o
prometido. Por simpáticos damos empregos ou concessões rendosas (nem sempre
lícitas) a parentes, amigos, compadres, afilhados, protegidos... e, que diabo!,
por simpáticos fazemos as maiores concessões a nós mesmos, e satisfazemos a
todos os nossos apetites. E essa nossa simpatia, sinal, repito, dum coração de
açúcar, nos impede de fazer cumprir a lei, de sorte que bandidos e ladrões
andam às soltas e podem ser senadores, deputados, governadores e até
Presidentes da República. Por simpáticos achamos que todos devem ajudar sem
nunca nos pedir contas de nada. Por simpáticos (ah! E por inteligentes,
espertos e mestres na arte da improvisação) não planejamos nada, produzimos
pouco, gastamos o que não podemos, e confiamos sempre nas soluções mágicas.
Porque no Brasil se acredita que até o deus ex machina é brasileiro. Ah, Clare!
Como somos simpáticos! Você já tinha notado isso, não? Pois é. Somos tão simpáticos
que nos acostumamos à miséria em que vivem mais de dois terços da população
total do país... uma miséria abjeta que, no nosso Nordeste, é igual ou pior que
a asiática... E como somos simpáticos e caridosos e, às vezes, vamos aos domingos
à missa, durante a qual sorrimos e acenamos de longe para Deus (que deve ser um
sujeito simpático) de vez em quando damos esmolas aos mendigos, vagamente
convencidos de que assim estamos contribuindo para resolver o problema
social...
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