Hábito de todo final de manhã/ começo de tarde de sábado, estava
num café lendo jornal, perto da uma da tarde. Acabei de ler uma matéria sobre
José Wilker no Globo, entro no twitter e estava lá: Hugo Carvana morre aos 77
anos. Tão zonzo fiquei que nem li a matéria, não sei se estava doente, de que
que foi: não me interessa. Tudo cala diante da morte de um cara que eu admirava
e que, para mim, era a alegria.
Em 1975 |
Tenho mania de guardar matérias das pessoas de quem eu gosto
(e das que não, também) e vou direto ler algumas do Carvana. A mais antiga é de
uma Ele e Ela junho 1975, título “Eu não sou malandro, sou otário”, fotos de
Carvana com cigarro na mão e diante de um copo de chope. Tempos da novela Cuca
Legal, ele já tinha dirigido Vai Trabalhar Vagabundo e completava 21 anos de
carreira e “64 filmes nas costas”. Em outra matéria, sem data (provavelmente
2002), Carvana chegava a 78 filmes. “No princípio não foi mole, gente boa.
Muita luta e eu tive que dar muito pinote. Comecei aos 17 anos como figurante
no filme Trabalhou Bem, Genival. Fiz mesmo de curtição, e o Joel Barcelos me
incentivava – “vai nessa que é uma boa”. E estou nessa até hoje, onde pretendo
continuar. Não tenho porque largar o meu cinema”, disse ele pra Ele e Ela.
“Os cineastas brasileiros se dão muita importância” é o
título de uma capa do Segundo Caderno do Globo, em 2007, quando Carvana ganhava
mostra em sua homenagem no Rio, captava recursos para a finalização de A Casa
da Mãe Joana e já anunciava o próximo, Não se Preocupe, Nada Vai Dar certo.
Abaixo, alguns trechos dessa deliciosa entrevista assinada por Patricia
Villalba.
“Por sorte, eu estava nos lugares certos nas horas certas.
Começou tudo na chanchada, que me despertou o desejo de ser ator. Daí eu fui
estudar teatro, fazer uma escola de teatro. Dei um pulo, fui fazer teatro
mambembe, viajei pelo Brasil. Por acaso, eu conheci o Teatro de Arena, de São
Paulo, que estava fazendo testes para uma temporada no Rio. Eu não sabia, mas
era um teatro revolucionário, propunha uma mudança radical na postura teatral.
Ali me fiz homem, foi um salto das brincadeiras, da molecagem, para entender
mais o homem, suas contradições. Naqueles anos, estou falando de 1958, 59,
outro grupo de jovens no Rio tinha vontade de fazer cinema. Esse grupo de
jovens quando viu esse grupo de teatro ficou fascinado, se aproximaram. Foi meu
terceiro movimento. O destino me chamou, e lá fui eu fazer o Cinema Novo”.
“Quando eu decidi dirigir, já tinha 20 anos de cinema. Quis
o destino que a primeira história, de Vai Trabalhar Vagabundo, estivesse
carregada de alegria. Depois, eu descobri que essa alegria veio da chanchada.
Vai Trabalhar Vagabundo (1973) começa com o personagem saindo da cadeia. Fiz
esse filme em plena ditadura Médici onde, ao contrário, as pessoas estavam na
cadeia. Além da alegria, da brincadeira, que era a chanchada, o filme escondia
esse desejo autoral – confesso que não consciente. Foi emblemático o “bom dia,
professor!”. Eu seria falso se ficasse procurando a angústia, os amores
incompreendidos. A fome passa longe dos meus filmes, apesar de o banquete não
estar dentro deles também”.
“Ninguém sabe que eu trabalho como um louco para produzir
meus filmes. Todo mundo quer é tomar um chope comigo”.
Outra capa do Segundo Caderno do Globo, em julho de 2011,
quando lançava Não se Preocupe, Nada Vai Dar Certo, o oitavo filme como
diretor, com Gregório Duvivier e Tarcísio Meira no elenco. Dois trechos da
matéria de Luiz Fernando Vianna:
“Não sou politicamente correto e não tenho problema em dizer
isso. Aos 74 anos e 55 de cinema, já estou diplomado. Não estou a fim de tratar
de coisas boazinhas. O que me interessa é o mauzinho, o sacana, esses
personagens que invertem a lógica – afirma ele, entre baforadas de charuto, em
sua casa na Barra da Tijuca, longe da boemia – A vida boêmia é passado, são só
flaschbacks.”
“O cineasta se interessa pelos malandros de pequeno vulto,
anônimos, como o que está imaginando para um futuro filme: velho punguista que
teve seu ofício de furtar dinheiro prejudicado pela invenção da calça jeans,
que comprime as carteiras aos corpos.
- Essas figuras são como mamutes. Devem continuar existindo por aí. Sempre que
puder, eu vou recuperá-las – promete Hugo Carvana”
Grande cara, esse Hugo Carvana.
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