quinta-feira, 31 de agosto de 2017

O que a vida me ensinou: Somerset Maugham

Autoajuda é algo que não me atrai - tanto que nunca lembro como se escreve, se leva hífen. Adoro ler sobre experiências das pessoas contadas de maneira assim como se aquilo nem tivesse ocorrido com elas e não estivessem querendo passar nada. E quanto mais velhas elas estiverem maior é meu interesse. Hoje me apareceu - no sentido de aparição mesmo - este texto de Somerset Maugham. Ele escreveu dois dos melhores livros que li - Servidão Humana e O Fio da Navalha - e sempre presto atenção quando topo com seu nome. Esse O que a vida me ensinou é divertido e profundo, lê-lo é como se fosse uma visita ao velho escritor. Foi escrito em 1963, quando ele tinha 87 anos, dois anos antes de sua morte, no final de 1965, na Riviera Francesa de que ele fala aqui.


Quando o leitor tiver a minha idade descobrirá que, das seis horas da tarde em diante, a vida começa a se tornar um pouco mais difícil. Mas, se você tomar um uísque a esta hora, a noite será mais fácil de enfrentar.

Escrevi meu primeiro romance, Liza de Lambeth (O Pecado de Liza), à noite, no período em que frequentava a escola de medicina. Recomendo vivamente o exercício da medicina como preparação básica à carreira literária. Quando as pessoas vão ao hospital ficam, em geral, confusas e temerosas. Podemos vê-las sem suas máscaras. Podemos ver a vida em toda a sua crueza.

Só estive na Rússia uma vez, em 1918. Era um agente britânico em Petrogrado e a revolução marchava a passos largos. Nunca mais voltei, mas há poucos meses, por uma razão misteriosa, recebi meu primeiro cheque, por direitos autorais, vindo da Rússia. Sei que lá traduziram minhas obras, juntamente com a de outros autores, durante anos e anos, sem nunca pagarem os direitos. Subitamente, sem explicações, enviam-me um cheque, por uma peça teatral que mal me lembro de ter escrito. Os russos são difíceis de entender.

Recebo muitas visitas em minha velhice. Jean Cocteau, bom amigo, vem frequentemente. Adlai Stevenson esteve aqui. Do mesmo modo Cecil Beaton, Marc Chagall, S. J. Pereleman, Art Buchwald e Christoper Isherwood.

Um dos últimos visitantes não era famoso, mas causou-me uma grande impressão. Era um marinheiro da Sexta Esquadra Americana. Aparentava ser um rapaz correto e inteligente. Descobrimos, depois de ter saído, que levara todas as canetas do meu escritório, enquanto eu mostrava a casa. Cerca de um mês depois, escreveu-me uma agradável carta, agradecendo-me a hospitalidade. Terminava, dizendo ter-me escrito com uma das canetas que levara.

Na minha idade, ninguém se irrita com um incidente desta natureza. Na realidade, considerei-o de uma malícia encantadora. Rio sempre ao contar a história. O rapaz tinha um maravilhoso senso de ironia.

Gosto de viajar, apesar de velho. A América é muito cansativa para mim. Gosto de ir à Alemanha, a Baireuth, ouvir o “Anel dos Niebelungen”, de Wagner.

Tenho muita dificuldade em lidar com jornalistas. Não faz muito tempo, um repórter chegou aqui, vindo de Londres. Disse que desejava entrevistar-me e que na sua pasta tinha todas as informações de que precisava, sobre minha formação. Perguntei-lhe se tinha um exemplar do meu necrológio. Isto causou-lhe espanto. Prometi-lhe, porém, uma excelente entrevista, se me deixasse ler meu necrológio. Ele o tinha consigo realmente e deu-mo para ler. Achei-o um pouco frio e indaguei se poderia dar-lhe um pouco de calor. Quando concordou, concedi-lhe a entrevista.

A vizinhança de Cap Ferrat mudou completamente. Quando vim para cá só havia 30 casas no Cap. Agora existem duzentas. A área desenvolveu-se tanto que organizou-se um sindicato de ladrões.

Logo depois da guerra, estes homens, os ladroões das “villas”, começaram a rondar e avisaram que se desse uma contribuição anual, minha casa não seria tocada. Pareceu-me razoável a proposta. Pago-lhes, pois, todos os anos. Contudo, um dos meus vizinhos expulsou-os quando vieram ter com ele. Nas férias seguintes não só furtaram sua propriedade, mas, vindo em carroções, limparam-no completamente. Vez por outra, deixam bilhetes nas estradas, para avisar-me de que estão por perto. Devo dizer que mantiveram a palavra. Negócio é negócio.

Tenho receio de que o problema dos jovens, hoje, se prenda ao fato de se tomarem muito a sério. Uma pessoa com vinte ou trinta anos não deve se levar muito a sério. Aos quarenta anos, talvez. Mais provavelmente, aos cinquenta. Não estou bem certo. Tenho oitenta e sete anos e não sei se já me tomei a sério alguma vez na vida.

Quando moços, não podemos permitir dizer tais coisas. O leitor pode inferir daí que a idade nos traz muitas vantagens. Na minha juventude nunca toleraria que surrupiassem as canetas ou que ladrões exigissem remuneração.  Mas, uma atitude serena em face destes aspectos do comportamento humano, é um dos prazeres da velhice.

Significa muito estar livre das cadeias do egoísmo: ciúme, inveja, inquietude, sofreguidão, tudo isso que distorce a visão da realidade. Agora que as opiniões demasiadamente pessoais estão virtualmente extintas, encontro prazer simplesmente em olhar em torno e sorrir um pouco da condição humana. Francamente, às vezes fico pensando com pude viver tanto tempo sem as recompensas de minha idade.


                      Publicado no jornal Diário Carioca, em 1963

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