quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

A história de duas gatas




Primeiro dia do ano em Parati, há três anos. Ele caminhava pelas ruas de calçamento irregular, maravilhado com tanta beleza. Não era sua primeira vez na cidade, mas voltava depois de muitos anos, mais de 30, e havia algo de descobrimento e memórias naquela caminhada. O olhar detido em um casarão onde fora muito feliz na primeira estada e, de repente, sente algo roçar em suas pernas. Era uma gata malhada e ele amava os felinos, criava alguns. O olhar abandonou as lembranças e passou a acarinhar a pequena, a conversar com ela, a falar dele, do ele que era e do que fora. Alguns minutos ali e foram interrompidos por alguém que o chamou. Seguir era preciso e ele se foi, sem olhar para trás, com a gata em seus pensamentos. No próximo quarteirão, viu que a gata o seguia, elegante, pelas ruas de pedras irregulares. Continuou caminhando e um tempo depois, sentado em um banco da praça, voltou a sentir um roçar, uma espécie de afago em suas pernas. Ela era, a gata tigrada. Seria um sinal? E ele era chegado a sinais.

Perto dali, e isso ele não viu, havia outra gata, mais pra preta e com alguns amarelados na pelagem, semelhante a seus olhos, que aproveitava a sombra de uma árvore para uma soneca. Ela abriu os olhos a tempo de ver a gata, sua amiga das ruas, e o homem em um papo firme e voltou a dormir. Nem percebeu que o homem decidira ali levar com ele a gata e no dia seguinte os dois estariam em São Paulo, num apartamento que já era habitado também por outros três gatos. Não demorou muito pra surpresa: a gata tigrada, que agora se chamava Maysa, estava prenha, ou grávida, como ele preferia dizer e menos de três meses depois teve cinco lindos filhotes. Ele até pensou em arranjar lar pros gatinhos, mas decidiu que ficariam juntos. Assim, Maysa tornou-se um caso raro: o de uma mãe felina vivendo com seus filhotes e vendo-os crescer na companhia de outros da mesma raça. Uma gatarada muito feliz e amada.

E a outra gata, a quase preta? Sem lar, continuou perambulando pelas ruas de Parati, ganhando um afago ali, um chute acolá. Um de seus lugares preferidos era um mercadinho e todo dia marcava ponto ali. Aos poucos, começou a se estabelecer uma amizade entre ela e o casal dono do mercado, que a alimentava, lhe deu o nome de Nina, a adotou, a castrou e a tornou uma gata com lar, paparicada pelos clientes do mercado.

Três anos depois, primeiros dias de 2019. Maysa, a gata tigrada segue feliz com seus filhos na cidade grande. Nina, a caiçara, também não podia reclamar da vida em Parati: era alimentada, acarinhada, o que ela não sabia era que esse viver quase tranquilo estava com os dias contados. E tudo começou assim: acordou de uma soneca em cima dos caixotes e resolveu dar uma andada pra espichar as pernas pelo mercado. O passeio foi interrompido por um forte pisão em seu rabo e Nina nem pensou duas vezes em lançar suas garras em direção aquele incômodo. Incomodada e com o rabo dolorido voltou a dormir em cima de um caixote de papelão e até sonhou. E nem percebeu quando uma lazarenta entrou no mercado, empunhando um pedaço de pau, nem a primeira paulada que veio inclemente. A segunda paulada a atingiu na cabeça, quando abria seus olhos amarelados, e tentava entender o que estava ocorrendo. Nina morreu minutos depois, a crueldade humana continua.

É tudo ficção. Maysa existe e está viva, linda e feliz com seus filhotes. Nina existiu também até encontrar a lazarenta.

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