terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Houve um revólver na minha vida. E fuzil também

Um trezoitão foi personagem de minha infância. Episódio difuso, enigmático, envergonhado, repleto de sombras: só fui saber mais dele quando cresci um pouco.  Foi assim: era de meu pai e habitava as alturas, o topo de um guarda-roupas. Certo dia, alguém da família enfrentava as agruras do crescimento e recorreu a ele para acabar com os problemas que o afligiam. Quais? Nem sei, quer dizer, acabei descobrindo mais ou menos, mas isso não interessa aqui. O jovem desesperado não morreu, foi socorrido, a vida dele tomou outros (e religiosos) rumos e segue vivo após esses anos todos. Meu pai teve problemas por ser o dono da arma, mas tudo se resolveu.

A partir desse episódio, tomei horror de revólveres e afins. O trezoitão seguiu morando no fundo de alguma gaveta, eternamente descarregado e enferrujando. Lembro que diante de qualquer barulho no quintal quando estava em casa sozinha com os filhos, a mãe berrava: "Traz o revólver". Era simplesmente para assustar o pretenso ladrão. E isso - "traz o revólver" - virou meio um bordão nosso.

Quando adolescente, acompanhei certa vez um vizinho um ou dois anos mais velho para caçar aves, só que eu fazia barulho pra afastar a futura vítima (salvei várias perdizes) e nunca mais fui convidado. E houve depois o período forçado no quartel, treinamento de tiros com fuzil obrigatórios e eu odiava aquilo (os tiros e a vida militar). Geralmente era à noite e eu simplesmente dispensava o alvo e atirava pra cima pra ver o traçado da bala, muitas vezes cantando pra mim Imagine, o hino de John Lennon. Devo ter sido o pior dos atiradores da tropa e provavelmente o melhor apreciador daquelas linhas vermelhas, o vôo traçante das balas. O horror à armas de fogo segue firme, assim como o desprezo àqueles insanos que pretendem armar a população.

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