sábado, 7 de julho de 2012

O momento prazer e raiva de Marlene, a maior

Fuçar em lojas de CDs é um dos meus prazeres. Volto para casa sempre com novidades (novidade = tudo aquilo que eu desconheço), que ficam ali à espera da hora certa de deixarem de ser novidades (a hora certa é importante). Hoje, um CD que repousava há meses junto a outros e ainda lacrado me chamou. É de 1970, chama-se É a Maior!, gravação de um show da cantora Marlene. E Marlene, para mim, é meio mistério. Sei quem é, claro, mas sempre com aquela sensação de que a conheço (e ouvi) menos que deveria.


É a Maior! é assinado por Fauzi Arap e Herminio Bello de Carvalho, responsáveis por espetáculos históricos de Maria Bethânia, por exemplo, que é doida pelos dois. Desde Comigo me Desavim (1967), Fauzi já dirigiu alguns dos shows mais lindos de Bethânia, Rosa dos Ventos, inclusive. E Herminio é produtor/diretor de maravilhas feito Rosas de Ouro e aquele show de Elizeth Cardoso em 1968, com Zimbo Trio + Jacob do Bandolim + Época de Ouro. Basta citar esses dois, sempre no topo da lista dos shows que eu adoraria ter visto.

E como nada é por acaso, Bethânia não entrou aqui de graça. A estrututura de É a Maior! lembra os shows dela: textos conduzindo as canções no formato pot-pourris bem costurados juntando os sucessos dela e novidades. Marlene usa a palavra para uma espécie de acordo com os tempos modernos. “Há uma hora em minha vida em que eu resumo todas as grandezas e todas as tristezas que eu já presenciei. É na hora que eu canto. È na hora que me dão um pedaço de palco para eu ser Marlene”: o disco/show inicia nesse clima confessional.

Era 1970, a era das cantoras de rádio havia passado há muito, o auge dos festivais também e a tropicália estava nas bocas, Caetano e Gil no exílio em Londres. Marlene tinha 46 anos, olha a mudança dos tempos, praticamente a idade de Marisa Monte hoje. Dos novos de então, Caetano é presença marcante com Tropicália, Atrás do Trio Elétrico, Coração Vagabundo e Irene, que encerra o disco. E tem Jorge Ben (País Tropical), Marcos e Paulo Sergio Valle (Mustangue Cor de Sangue na sequência de Se é Pecado Sambar) e Milton Nascimento (Beco do Mota, parceria com Fernando Brant, em interpretação impressionante). E da geração mais antiga, Mario Lago, Wilson Batista, Assis Valente, Luiz Gonzaga

“Eu não vejo diferença nenhuma naquela gente que gritava Marlene e Emilinha e ainda ontem gritava por Chico e Caetano. Talvez as bocas que gritem hoje nos festivais sejam mais bem tratadas, mas isso também não era culpa da Emilinha nem minha”, ela desabafa, ovacionada, em momento sobre a expressão “macacas de auditório”. É o final que chega com o hit maior Lata D´Água emendado com Irene. O público delira. Momento de virada na carreira de Marlene, É a maior! nada tem de datado e retrata um importante momento de mudança na música popular brasileira. Quatro anos depois, Marlene fez outro show antológico dirigido por Herminio – Te Pego Pela Palavra.

Abaixo, o áudio com o momento final do show É a maior!. Depois, a abertura do show Te Pego Pela Palavra. E ao final, dois textos bem reveladores, que Marlene fala durante o espetáculo.




“A minha voz é pequena. Sempre disseram que a minha voz é pequena. Ouvi isso a vida inteira. Eu comecei no rádio aos 20 anos, brigando com Deus e todo mundo, brigando até comigo mesma. Eu misturava prazer e raiva quando me jogava no auditório para cantar. E foi com esse prazer e com essa raiva que eu cheguei até aqui. Eu começo e recomeço minha vida toda hora sem medo nenhum. Cantei muito em auditório de rádio, botei muita faixa nesse corpo. E hei de continuar cantando, seja na rua ou em qualquer lugar onde haja alguém que queira me escutar. E, porque não, hei de cantar em muito auditório ainda” (E aí, Marlene começa a cantar País Tropical)

“Às vezes eu não gostaria de ter a voz que tenho. Às vezes eu gostaria de ter uma voz despreocupada, uma voz calma. Às vezese eu não gostaria de me agitar. Às vezes eu não gostaria de quase ter de me esfregar na cara de todo mundo para me fazer perceber. Às vezes eu gostaria de simplesmente cantar” (E aí, Marlene canta Carinhoso)

Um comentário:

octavio césar disse...

Ledesma. Sou Octavio César. Fiz parte, juntamente com Daltony,Lilito e Fototi, do quarteto vocal O Grupo Mineiro. Demos á Marlene suporte musical e teatral Os músicos eram da melhor qualidade Helvius Vilele ao piano, Novelli no baixo, Verocai na guitarra e Gegê na bateria. Dividimos com Marlene um grande sucesso de crítica e público em vários teatros no Rio de janeiro Saúde

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