
Vinicius – Todo brasileiro é habitado por um nordestino, da mesma forma que não creio em Deus mas o Deus dos outros me habita. Por isto, meu companheiro, não temeria de revelar todo, claramente, na minha mais vistosa intimidade, porque sei que esta revelação nos revelaria a nós todos, a nossa época, o nosso mundo, o nosso Brasil. Não teria nenhum temor, meus companheiros, de nenhuma pergunta sobre a minha culpa e responsabilidade na vida, no amor, pois a única vergonha que me restaria é de que a felicidade ou tristeza obtida com isso não fosse coletiva, não fosse inteiramente nossa.
Gil – Vinicius, o que você
fez quando passou o cometa Haley?
Vinicius – Eu falei de amor.
Bethânia – E quando o padre
disse que era pecado?
Vinicius – Eu falei de amor.
Gil – E quando a morte o
assustou e conheceu a injustiça pela primeira vez?
Vinicius – Eu falei de amor.
Bethânia – E quando o leite
subiu, o presidente caiu e a guerra estourou?
Vinicius – Eu falei de amor.
Gil – E quando tudo esteve
mais difícil e se reclama dizer ou fazer alguma coisa que modificasse o curso
dos acontecimentos?
Vinicius – Eu falei de amor.
Bethânia – E quando se
tornou necessário ser mais claro, ser nitidamente brasileiro?
Vinicius – Eu falei de amor
com sinceridade.
Bethânia – Sem dúvida
sabemos que é preciso ser brasileiro com sinceridade e que cantar um samba com
sincero amor já se constitui uma manifestação de consciência; mas sabemos
também que isso não é fácil e temos medo. Temos medo de ser ufanista, um medo
que às vezes nos vem por desconfiar de que a terra que cantamos talvez não seja
tão nossa.