sexta-feira, 24 de julho de 2020

Capas de discos arte - Wendhausen, Luiz Jasmin e Augusto Rodrigues





                               Walter Wendhausen 

Elizete Sobre o Morro (1965)

A Enluarada Elizeth (1968)

Walter Wendhausen (1920-1973). Nascido em Florianópolis (SC), pintor de vanguarda, especialista em relevos e colagens.A capa de  Elizeth Sobe o Morro mostra bem porque Wendhausen era então chamado "pintor de sucata", ele utilizava pedaços de ferro retorcidos, molas fechaduras, lascas de madeira....
Em A Enluarada, a partir de uma foto de Walter Firmo, Wendhausen utilizou a técnica de fotocopiagens sucessivas - "14 vezes da foto original até conseguir a exclusão de segundos tons e a anulação de segundos planos interferentes", conta uma matéria da época publicada em O Jornal.



                               Luiz Jasmin

Maria Bethânia - Recital na Noite Barroco (1968)
Marilia Medalha (1968)

Maria Bethânia (1969)



Gal Costa - Compacto Duplo (1969)

Clara Nunes (1973)
Carnavália Vol. 1 (1968)



Carnavália Vol. 2(1968)

Luiz Jasmin (1940- 2013). Baiano de Salvador. A Bethânia surrealista na capa de Recital na Noite Barroco (1968) chegou a ser censurada pela ditadura militar pelo "busto nu". No ano seguinte, Jasmin assinou também a capa do primeiro disco de estúdio dela. Este de Gal Costa é um compacto duplo. E é também de Jasmin o retrato de Marilia Medalha (ele aparece na contracapa desenhando a cantora), Este de Clara Nunes é do começo dos anos 70 e traz a dedicatória para Clara do autor na capa. Os dois álbuns Carnavália, lançados pelo MIS, registram o show estrelado por Marlene, Blecaute e Nuno Roland.


Augusto Rodrigues

Nara Leão - Vento de Maio (1967)

Elizeth Cardoso - Preciso Aprender a Ser só (1972)

Augusto Rodrigues (1913-1933) "Era uma vez um homem bom, muito inteligente, cheio de talento para desenho e fotografia, e cheio de amor ao próximo. Este homem se chama Augusto Rodrigues e mora num dos lugares mais bonitos do Brasil, o Largo do Boticário, entre árvores e passáros e borboletas": assim Clarice Lispector o descreve em seus Diálogos possíveis.
Pernambucano, Augusto foi caricaturista, ilustrador, desenhista, pintor, educador, fotógrafo, jornalista e poeta.
Essas capas dos discos de Nara e Elizeth são daquelas dignas de figurar em museus. Em PB, a capa do disco de Nara tem a ilustração colada sobre papelão. A do exemplar que tenho descolou com o tempo e parece que tenho uma gravura de Augusto Rodrigues. Na contracapa, aparece ao lado da cantora de quem  foi amigo e professor . 




sábado, 18 de julho de 2020

Vestido de Noiva: a estreia pelo autor Nelson Rodrigues

Vestido de Noiva:a primeira e histórica montagem por Os Comediantes, em 1943


Procurava coisas outras e, de repente, a tela do computador é invadida por uma foto imensa do Ziembinski e um título: Nelson Rodrigues escreve: Ziembinski naquela noite. E que noite! A de estréia da tragédia carioca Vestido de Noiva, Teatro Municipal RJ 1943, considerada o momento divisor de águas do teatro brasileiro. "Nada mais antigo do que o passado recente", escrevia Nelson Rodrigues, em outubro de 1978. O texto genial saiu na Manchete quando da morte de Ziembinski, o diretor da montagem. E o autor simplesmente leva seus leitores para a estreia. Abaixo o texto de Nelson Rodrigues.

"Amigos, começava o ano de 1943. Dirão os meus leitores: "Isso foi outro dia." Tenho que explicar, então, que nada mais antigo do que o passado recente. Esse 1943 parece outra realidade, outro Brasil, outro mundo. Eu acabava de escrever a minha tragédia carioca, Vestido de Noiva. Esta peça, coitada, pagou todos os seus pecados.

Ziembinski e Nelson Rodrigues em 1943
Eu saí, de porta em porta, oferecendo minha peça. Dulcina não quis, Odilon não quis, Jayme Costa não quis. Alguém cochicha: "Rapaz, mostra Vestido de Noiva ao Ziembinski." Virei-me: "Ziembinski, que Ziembinski?" O outro fez um resumo biográfico: "Chegou da Europa, expulso pela Guerra, entende pra burro de teatro." O nome tinha um som que me agradou. Por um momento fiquei silencioso, meio alado, pensando no tal Ziembinski. Quis saber: "Onde se encontra o Ziembinski?" O outro explicou que o mestre polonês estava nos Comediantes. Ora, Os Comediantes eram um grupo amador que só fazia teatro sério. Por um momento sonhei: "Será que o Ziembinski vai gostar de Vestido de Noiva?"

Tudo, porém, teve uma progressão fulminante. Primeiro, Brutus Pedreira apareceu. Ouvira falar em Vestido de Noiva e queria lê-la. Leu, de um dia para outro. Ficou muito impressionado e disse: "Te dou dois contos de réis para representar Vestido de Noiva. Tremi em cima dos sapatos. Ao mesmo tempo, Brutus marcou o meu encontro com Ziembinski no Amarelinho, ali na Cinelândia. Aquele desconhecido polonês sentava-se na minha alma.

No dia seguinte, lá aparece Ziembinski, já com a cópia de Brutus. Tinha um sotaque bárbaro, o polonês. Mas dava para entender. Disse o que ia fazer: ler um ato num dia, outro ato no dia seguinte, outro ato no terceiro dia. Não podia brincar com uma língua nova. Disse-lhe: "Mas eu entendo tudo o que você diz." Ouvira alguém dizer "Pois é." Achara lindo esse "Pois é." Boas coisas começaram a acontecer para o meu lado. Em primeiro lugar, Ziembinski achou lindo o primeiro ato. Falei do segundo e ele explicou: "Só leio um por dia." No dia seguinte reapareceu: "Muito bonito o segundo." Mais um dia e fechou o ciclo: "Grande peça." Mas fez uma observação que não me convenceu: "A peça acaba na morte de Alaíde." Não concordei e ele se deixou convencer.

Começou, então, a batalha de Vestido de Noiva. Durante sete meses, um elenco bateu no texto de Vestido de Noiva. Cada fala era repisada de uma maneira obsessiva e insuportável. Depois do ensaio, os artistas saíam. Diziam o texto no meio da rua e na fila de ônibus. Os outros passageiros ouviam coisas estranhíssimas: "Enterro de anjo é mais bonito que de gente grande." Ou então: "Eu acho bonito, duas irmãs amando o mesmo homem. Não sei, mas acho." Auristela de Araújo dizia pela boca de Madame Clessy; "As mulheres só devem amar meninos de 17 anos." Ainda Madame Clessy: "Gente morta como fica." Os porteiros do teatro tinham decorado páginas do texto. Eram inesquecíveis os papos de Ziembinski nos intervalos do ensaio. O curioso é que, no trabalho, não comia. Ou por outra: dois ovos quentes. E voltava depois como um bárbaro. Mas eu falava de sua conversa: ele tinha maravilhosa memória de ator, mas suas opiniões nos escandalizavam: "Jouvet é uma besta." Alguém queria duvidar: "Mas todo mundo aqui acha Jouvet formidável." Ziembinski então falava de Batty: "Batty é muito melhor do que Jouvet." Quanto às mulheres, acreditava mais na Duse do que em Sarah Bernhardt. De vez em quando eu perguntava a Ziembinski: "E vamos fazer sucesso?" Dizia e repetia, varado de certeza: "Sucesso formidável!" Assim era o grande artista: fazia afirmações como um fanático.

Alguns, porém, nas suas costas, rosnavam: "Qual nada, Jouvet era um gênio." Mas eu verificava uma coisa: dia após dia, Ziembinski se tornava mais brasileiro ou, melhor dizendo, um carioca. Nunca perdeu um momento de ensaio. Ziembinski ensinava a uma grã-fina obtusa: "Diz assim: "Tão nova, tão cheia da vida."" A outra errava todo o santo dia.
Quando faltavam vinte dias para a estréia, começou o que eu chamaria de tensão dionisíaca. O ensaio já não era mais esportivo. As pessoas se irritavam. Havia uma surda competição, só a inveja explica certas atitudes.

Ah, os últimos ensaios: ou por outra, o ensaio geral de Vestido de Noiva foi o verdadeiro inferno. Com os seus 35 anos, Ziembinski tinha uma resistência brutal. Eu me lembro de um contra-regra: "Como trabalha o Zimba!" Ou por outra, não era Zimba, Zimba viria depois, em 43 era ainda Ziembinski. Os intérpretes sabiam o texto, as inflexões, sabiam tudo. Durante sete meses, à tarde e à noite, a peça fora repetida até o limite extremo de saturação. Ainda faltava, porém, a luz, E Ziembinski exigia mais do elenco, cada vez mais.
Não posso falar da luz sem lhe acrescentar um ponto de exclamação. Em 1943 o nosso teatro não era iluminado artisticamente. Pendurava-se, no palco, uma lâmpada de sala de visita ou jantar. E a luz, fixa, imutável - e burríssima - nada tinha a ver com o texto e os sonhos da alma e da carne. Ziembinski era o primeiro, entre nós, a iluminar poética e dramaticamente uma peça.

Estou vendo Alaíde, ao aparecer, pela primeira vez, de noiva. Sua intérprete era Evangelina Guinle da Rocha Miranda. Ficamos atônitos, de beleza. Dentro da luz, era um maravilhoso e diáfano pavão branco. Ziembinski exigira uns dez ensaios gerais de luz. Era pedir demais ao nosso Municipal. Os dez ficaram reduzidos a três. Por três dias e três noites, o selvagem polonês esganiçou-se no palco.

Houve um momento em que Ziembinski tomou dois ovos quentes. Por vezes a gema escorria-lhe como baba amarela. Ah, ninguém faz uma ideia da paciência e martírio do elenco. A 27 de novembro, não, não, de dezembro de 1943, e, portanto, na véspera da estréia, atrizes e atores tinham, em cada olho, um halo negro. Alguém que, de repente, entrasse ali, havia de pensar que o elenco estava de olheiras de rolha queimada. Ziembinski tinha a obsessão da luz exata.

Meia noite e todos representando. De repente. alguém começa a chorar. Perguntaram: "Mas o que é isso? Não faça isso?" E ele, num gemido maior: "Eu não aguento mais! Eu não aguento mais!" Delirava de cansaço. Com efeito, a exaustão enfurecia e desumanizava as pessoas. Ninguém tinha mais a noção da própria identidade. Os artistas passaram a se detestar uns aos outros.

E, por fim, às cinco da manhã, houve entre Ziembinski e Carlos Perry um bate-boca quase homicida. Não sei qual o motivo e ainda hoje me pergunto: "Houve tal motivo?" Já amanhecendo, o simples cansaço enlouquecia o diretor, ator, eletricista, contra-regra, etc, etc E Ziembinski e Carlos Perry andaram por um fio. Quando subi no palco, estava certo que não ia ter estréia nenhuma.

Os planos: Realidade, memória e alucinação
Vejo Ziembinski saindo do teatro e jurando que não voltaria para o espetáculo. Olho a cena ainda iluminada. Queria me parecer que Pongetti tinha razão: Vestido de Noiva ia perder-se no puro e irresponsável caos. Dentro da luz, cadeiras, sofás e pessoas pareciam boiar. As caras eram azuladas, lunares. A caminho de casa, uma súbita certeza instalou-se em mim: Vestido de Noiva ia ser vaiada. O cenário, ou terrível cênico, estava dividido em três planos: em cima realidade, embaixo memória e alucinação.

Ao despertar às onze da manhã, eu imaginava que o meu processo de ações simultâneas, em tempos diferentes, não tinha função no Brasil. O nosso teatro era ainda Leopoldo Fróes. Sim, ainda usava o colete, as polainas e o sotaque lisboeta de Leopoldo Fróes. E ninguém me perdoaria a desfaçatez de uma tragédia sem linguagem nobre. Debaixo do chuveiro, perdia a fé em mim. E me perguntava inconsolável: "Como é que fui meter gíria numa tragédia, embora carioca?" Depois do almoço, corri para a cidade. Mas era um ex-Narciso, um Narciso que tinha, agora, horror da própria imagem. Eis o que pensava: "Foi por isso que Álvaro Lins escrevera em Diretrizes e não no Correio da Manhã." Baixou em mim que eu jamais teria um rodapé de Álvaro Lins. Deus Lhe Pague já ia para três mil representações. Segundo Gilberto Amado, Deus Lhe Pague era a única peça universal do teatro brasileiro.

Brutus Pedreira e Carlos Perry
Entro no teatro. Ziembinski e Carlos Perry estavam juntos, mais solidários e mais irmãos do que nunca. Dez para as oito da noite. Estou andando pelos corredores vazios, mas iluminados. O teatro ia abrir os seus portões. Vi os porteiros, ainda com os uniformes azuis e dourados da belle époque. Por fim, um deles, de bigodões espectrais, abria o primeiro portão. Ninguém para entrar.


Minto. Alguém vinha subindo, lentamente, a escadaria. Crispei-me ao vê-lo e numa emoção tão doce e tão funda, vim para Manuel Bandeira, transido de felicidade: "Grande figura, grande figura."


No hall, conversando com o poeta, eu tiritava. Um súbito otimismo dava-me febre como a malária. Voltei a acreditar num rodapé sobre mim, com o mesmo título do artigo de Manuel Bandeira - Vestido de Noiva.


O poeta foi comigo até a porta da caixa. Lá, apertou a mão de José Sanz que, vestido de médico, faria uma ponta. Mas o público começava a entrar, despedi-me de Manuel Bandeira. Ele ainda me perguntou: "Animado?" Rangi os dentes de pavor: "Mais ou menos." E o poeta saiu para sentar-se na segunda fila (enxergava bem, mas ouvia mal). Naquele momento senti necessidade de ver Ziembinski.

Passei na caixa. Pânico geral. Ziembinski fazia uma última revisão. Dizia para o elenco: "Calma, calma." Ele próprio, porém, ventilava por todas as narinas. Seu olhar vazava a luz. Volto. Vou ficar num camarote da minha mulher e das minhas irmãs. Numa pusilanimidade total, fico no fundo do camarote, arriado. Platéia, frisas, camarotes e balcões lotados. Alguém me sussurrou: "O melhor público do Brasil (Carlos Drummond viria no dia seguinte, Schmidt muito depois). Eu não via, nem queria ver nada. Muitas vezes tapava os ouvidos, doente de medo. E o pior foi o silêncio do público, silêncio ensurdecedor, como se não existisse um gato pingado no Municipal. Ninguém ria, ninguém tossia. E havia qualquer coisa de apavorante, naquela presença numerosa e muda.

O Velório de Madame Clessy
Termina o primeiro ato. Três palmas se tanto, ou quatro, ou cinco no máximo. Imaginei que seriam palmas da minha mulher, das minhas irmãs, do meu irmão. Talvez Manuel Bandeira já estivesse arrependido do artigo. Continuei no fundo do camarote, cravado na minha cadeira. Repetia para mim mesmo: "Fracasso, fracasso." Eu imaginava Ziembinski, prostrado. Termina o segundo ato. Pongetti tinha razão: Vestido de Noiva era o caos.

Até que baixa o pano sobre o final do terceiro e último ato. Estou ouvindo. Silêncio. Nenhuma palma. E então começam os aplausos. E tudo foi uma progressão fulminante. Era a apoteose. E, de repente,  vem Ziembinski das entranhas do teatro. Vem de mangas de camisa, arrastado pelos artistas. Estava atônito diante da apoteose. Ninguém podia imaginar que estava ali um grande homem brasileiro ou, melhor dizendo, um grande homem carioca. E, enquanto ele agradecia mais uma vez, do alto, o lustre pingou diamantes."







Quem quer brincar de boneca? Texto de Vange Leonel

O filme Barbie está por todo lado. E de tanto ouvir falar em boneca, me lembrei de um texto de Vange Leonel sobre elas e fui até grrrls - Ga...