O homem nu é imoral? A
pergunta, quem diria, volta a ecoar em pleno século 21. Aqui, ela é
título de uma matéria de capa (ao lado) da revista O Cruzeiro, de março, de 1968. É em
cima da proibição da peça Cordélia Brasil, de Antonio Bivar, e abre com a nudez em página inteira do pintor e ator Luiz Jasmim, que morreu em 2013, aos 72 anos. Ele atuava na peça com Norma Bengell. Só que o “homem nu”
não era o motivo da censura. “A verdade é que no meu texto não havia a
indicação de homem nu. E Luiz Jasmim nem aparecia nu em cena. Mas continuava
genial na autopromoção”, conta Bivar, em seu livro de memórias Mundo Adentro
Vida Afora, no capítulo "Vaidade, teu nome é Jasmim".
Golpe de autopromoção à
parte, a matéria é interessante. Lembra que no ano anterior a revista francesa
Lui trouxe pela primeira vez publicidade com um “homem nu” e entrevista os principais artistas e intelectuais da época: Nelson Rodrigues, Oscar
Niemeyer, Fernando Sabino (O filme O Homem Nu, roteiro dele, estava em cartaz) e a jovem Maria Bethânia, entre eles. É a opinião
deles que interessa aqui quando o homem nu está de volta e causa polêmica entre
conservadores – também de volta ou alguma vez não estiveram?
Maria Bethânia: “Não há
imoralidade alguma num homem nu como também numa mulher nua. Acho que depende de cada um.
De seu modo de ver, de encarar a situação. Cada um tem um pensamento diferente
quando vê um homem nu e cada um o concebe a sua maneira. O imoral vê
imoralidade. Além disso, acredito que a mulher carioca vá aceitar bem a
inovação, e os homens, logicamente, farão muitas piadas. O negócio é esse
mesmo: o autor tem que ter liberdade de botar para fora tudo o que vem à sua
cabeça. E se um homem nu fica bem em certa situação na cena, que venha o homem
nu.”
Nelson Rodrigues: “O último
carnaval desmoralizou completamente a nudez. Tirou da nudez o seu suspense e
todo o seu patético. Só escandalizou quem não se despiu. Aliás, é preciso
estabelecer uma cronologia da culpa. A primeira culpada foi a praia. Não há nudez
pior do que a do biquini. O biquini é algo semelhante ao barbante que a índia
enrola em cima do umbigo. Sei que no caso presente o problema é a nudez
masculina. Será imoral a nudez masculina e a feminina não? Eis uma pergunta
imbecil que só poderá ter respostas igualmente imbecis. Eu diria que a nudez
masculina é ignóbil para o homem, mas duvido muito que a mulher tenha uma ideia
pouco lisonjeira do nu másculo. Seja como for, acho de um cinismo gigantesco
que se proíba a nudez no palco e se permita a nudez carnavalesca e praiana. É
só. Estou exausto.”
Fernando Sabino: “Deus criou
o homem nu. A folha de parreira apareceu depois. A nudez é, pois, natural; e
imoral, se imoralidade existisse, seria a vestimenta – inclusive o ato de
tirá-la. Mas tudo depende da finalidade a que ela se destina – não só a de
preservar o recato também natural do homem, como o de protegê-lo devidamente
dos chamados rigores da natureza e adequá-lo ao meio em que exerce a sua
convivência com outros homens em sociedade. Existindo tal adequação, a nudez ou
a vestimenta serão necessariamente estéticas, na medida em que buscam aprimorar
aquilo que já é necessariamente belo. E o que é belo jamais é imoral, se
integrado em seu verdadeiro contexto. Tanto é imoral um homem nu dentro de uma
igreja ou em plena rua, como um homem de terno e gravata dentro de uma piscina
ou de uma sauna. A nudez de um homem ou de uma mulher é mais do que natural e
bela, em si – é sagrada. Ainda mais quando perfazem o ato do amor, que é o ato
da criação. A imoralidade está nos que conspurcam a nudez com seus próprios
olhos ou com a imaginação, projetando em tudo a sua secreta incapacidade de
amar o homem tal como ele é, tal como nasceu: pobre, sozinho e nu, frágil
criatura de Deus, matéria de salvação.”
Oscar Niemeyer: “Sou contra qualquer censura que limite a criação artística, estabelecendo um clima de revolta e desacerto. Não sei se é fundamental no espetáculo a presença, no palco, de um homem nu. Mas isso é problema do autor. O importante é que o público seja informado das peças em cartaz, a fim de que escolha a que preferir.”
A capa e a abertura estão lá em cima, aqui a matéria.