sexta-feira, 6 de outubro de 2017

A hora da buzina: Clarice Lispector vê Chacrinha



Amanhã, sábado, faz cinquenta anos que essa crônica foi publicada: Clarice Lispector foi conferir o tão falado programa do Chacrinha, cujo centenário se comemora esse ano. Clarice ficou "triste, decepcionada?". Mas ela não gostou nem das cores do Velho Guerreiro? A TV ainda era em preto e branco. Fiquei pensando o que Clarice diria dos mais atuais O Aprendiz, Pânico, Big Brother...
Abaixo, tudo foi escrito por Clarice. E a prova está lá no final rs

                                     Chacrinha?!

De tanto falarem em Chacrinha, liguei a televisão para seu programa que me pareceu durar mais que uma hora.
E fiquei pasma. Dizem-me que esse programa é atualmente o mais popular. Mas como? O homem tem qualquer coisa de doido, e estou usando a palavra doido no seu verdadeiro sentido. O auditório também cheio. É um programa de calouros, pelo menos o que eu vi. Ocupa a chamada hora nobre da televisão. O homem se veste com roupas loucas, o calouro apresenta o seu número e, se não agrada, a buzina do Chacrinha funciona, despedindo-o. Além do mais, Chacrinha tem algo de sádico: sente-se o prazer que tem em usar a buzina. E suas gracinhas se repetem a todo o instante – falta-lhe imaginação ou ele é obcecado?
E os calouros? Como é deprimente. São de todas as idades. E em todas as idades vê-se a ânsia de aparecer, de se mostrar, de se tornar famoso, mesmo à custa do ridículo ou da humilhação. Vêm velhos até de setenta anos. Com exceções, os calouros, que são de origem humilde, têm ar de subnutridos. E o auditório aplaude. Há prêmios em dinheiro para os que acertarem através de cartas o número de buzinadas que Chacrinha dará; pelo menos foi assim no programa que vi. Será pela possibilidade da sorte de ganhar dinheiro, como em loteria, que o programa tem tal popularidade? Ou será por pobreza de espírito de nosso povo? Ou será que os telespectadores têm em si um pouco de sadismo que se compraz no sadismo de Chacrinha?

Não entendo. Nossa televisão, com exceções, é pobre, além de superlotada de anúncios. Mas Chacrinha foi demais. Simplesmente não entendi o fenômeno. E fiquei triste, decepcionada, eu quereria um povo mais exigente.


Publicado no Jornal do Brasil em 7 de outubro de 1967. Está no livro A Descoberta do Mundo, que reúne as crônicas que ela escreveu lá, de agosto de 1967 até dezembro 1973. E, meio ao estilo O Aprendiz, Clarice Lispector foi demitida por telefone, com três crônicas que não foram publicadas.


Um comentário:

Anônimo disse...

Meus respeitos a Clarice Lispector, que foi uma grande escritora, sem sombra de dúvida, mas parece que não tinha muito senso de humor. Pelo menos não o teve ao avaliar negativamente a loucura saudável do Chacrinha, ao considerá-lo um sádico, enfim, ao não entender o que significava a figura original do Velho Guerreiro, que, tal como ela, deixou saudades e recordações afetuosas no coração daqueles que chegaram a ver seu programa; aliás eu fui um destes, vi o Chacrinha desde o início da Década de 1960, sempre fui e sou um grande fã dele. O Chacrinha tinha um modo todo especial de apresentar e comandar seus programas e fazia a gente rir com o intenso toque de humorismo inerente à sua atividade como apresentador.

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