terça-feira, 5 de setembro de 2017

Quando Astolfo adotou o nome de Rogéria

Rogéria morreu ontem, 4 de setembro, aos 74 anos. Quando soube lembrei de uma foto que postara há tempos no facebook, ela de Astolfo e Rogéria, e a publiquei novamente em homenagem a ela. Aqui está a reportagem inteira: são seis páginas da revista O Cruzeiro, de agosto de 1967, matéria assinada por Jorge Audi. Rogéria tinha 22 anos (na verdade 24, deve ter diminuído dois anos), e imitava Jean Harlow, Marilyn Monroe e Carmen Miranda em Deu a Louca em Hollywood, de Carlos Machado. "A conquista do sucesso, pelas armas da simpatia, da espontaneidade e do esforço", escreve o repórter. Abaixo, as seis páginas e depois a matéria inteira, que vale a pena ser lida.








                   
                               Quando Astolfo adotou o nome de Rogéria
                                     Reportagem de Jorge Audi


Um pouco de imaginação, um pouco de técnica e uma boa dose de paciência. Máquina fotográfica e algumas lâmpadas própria. Atrás da máquina, um fotógrafo; do outro lado, um bm profissional na arte de representar. E ela, em fotos, a história de uma conquista. Naturalmente, que na realidade, se trata de um truque válido somente para ilustrar um episódio humano. Não da conquista de uma mulher por um homem, como faz crer a ilustração. Mas a de uma personalidade por outra. De Astolfo Barroso Pinto por Rogéria; duas personalidades bem distintas numa só pessoa. Nas fotos, portanto, só existe um personagem posando. Ora como Rogéria, ora como Astolfo, um dos melhores travestis que já surgiram nos palcos brasileiros. 

Astolfo Barroso Pinto tem 22 anos. Nasceu em Cantagalo, no estado do Rio, e ainda mora naquele estado, exatamente em Niterói. Teve infância feliz e lembra com felicidade de brincadeira típicas daquelas idades. Tem dois irmãos e "a mãe mais espetacular do mundo". Afirma que sua compreensão foi básica na luta pelo sucesso. Sempre uma palavra de incentivo e coragem, quando voltava da rua carregado de dúvidas e desânimo. Estudou até a idade de 17 anos, tendo cursado o ginasial e iniciado o científico. Daí veio a necessidade de trabalhar. Dois anos, funcionou como maquilador nas televisões cariocas, razão pela qual é perito nessa técnica.

A personalidade de Rogéria começou a surgir num baile de carnaval, em 1961, quando, pela primeira vez, fez travesti. Noutro baile, três anos depois, fantasiou-se de Dama da Noite, uma criação de Geraldo Cavalcanti. Ganhou prêmio de originalidade e o olhar técnico de um descobridor de sucessos. Hugo de Freitas, que montava um show de travestis na Galeria Alasca, fez-lhe o convite. International Set era o título do espetáculo que ficou nove meses em cartaz. Rogéria começou como figura de destaque e logo passou a ser estrela. Era o caminho do sucesso. Dali veio um show de grande montagem, Les Girls, que ficou em cena dois anos e foi exibido em vários estados do Brasil. Quando terminou, havia deixado um salto de grandes experiências em viagens, novas amizades e um melhor lugar no estrelato. E, ainda mais, um prêmio como melhor travesti. Depois levou sua arte para outros ares. São Paulo, onde trabalhou no Michel e La Vie en Rose. Fez, ainda Folias 66, show de Eloína. 

Voltou ao Rio para Alô, Bonecas, no Stop, e Agora é que São Elas, no Teatro Dulcina. É aí que Rogéria conta uma história de decepção. Não cumpriram os pagamentos tratados e viu-se obrigada a abandonar os espetáculos, que terminaram no dia seguinte.

Já colecionou vários prêmios e troféus. Isso, naturalmente, porque se dedica e gosta do trabalho que faz. Adora ficar em casa, sem fazer nada, o que raramente consegue, em face da quantidade de compromissos. Dorme quando normalmente se acorda e acorda quando normalmente se dorme. 

Sua grande chance surgiu com um contrato de Carlos Machado, para estrelar Pussy, Pussy, Pussy Cat, peça que lotou a casa durante sete meses e na qual apareceram todas as certinhas do Stanislaw Ponte Preta. Além desse show de Machado, no Fred´s, ainda está fazendo Vem Quente Que Estou Fervendo, de Gomes Leal, no Teatro Rival, e Balanço das Boasm no Beco, de Denis Duarte, no Little Club. No momento, está apresentando Deu a Louca em Hollywood, onde imita Jean Harlow, Marilyn Monroe e Carmen Miranda. O novo espetáculo de Carlos Machado conta com a participação do coreógrafo e figurinista Juan Carlos Berardi, que é o orientador profissional de Rogéria. E aqui termina a história de uma conquista. A conquista do sucesso, pelas armas da simpatia. da espontaneidade e do esforço. Uma história de Astolfo Barroso Pinto, ou de Rpgéria.

                  Revista O Cruzeiro, 26 de agosto de 1967


Nenhum comentário:

Quem quer brincar de boneca? Texto de Vange Leonel

O filme Barbie está por todo lado. E de tanto ouvir falar em boneca, me lembrei de um texto de Vange Leonel sobre elas e fui até grrrls - Ga...