domingo, 25 de dezembro de 2011

Clarice, uma arqueologia 2 - A primeira entrevista



Aqui está a entrevista de Clarice na Diretrizes, em 30 de outubro de 1941, conforme a copiei a lápis (na foto). Está publicada no livro Entrevistas / Clarice Lispector (editora Azougue), que tem organização de Evelyn Rocha, apresentação de Benjamin Moser e mais 14 entrevistas, inclusive um depoimento dela para o MIS, em 1976 e a última entrevista (na TV Cultura, em 1977). Quer dizer, leitura obrigatória.


Os estudantes brasileiros e a literatura universal

(Série de reportagens com universitários, no final de outubro de 1941, opinando sobre a literatura. A ilustração é de uma garota bonita, com bolsa embaixo do braço, cercada por cinco rapazes e a legenda: “futuros advogados falam sobre luteratura”. Lá no final da primeira matéria, vem o seguinte trecho:)

Na faculdade de direito subimos ao primeiro pavimento do edifício da rua Moncorvo Filho. Descemos novamente e vemos chegar uma jovem a quem abordamos. Chama-se Clarice Lispector e tem traços da raça eslava. É terceiro anista, e acede prontamente em responder às perguntas do repórter.

Leio de preferência livros, diz Clarice. Quanto à literatura nacional, em minha opinião, temos ótimos escritores, capazes de rivalizar com qualquer outro de qualquer literatura. Sobre a moderna literatura nacional, conheço alguma coisa; mais talvez do que a antiga.

Pode destacar algum vulto?
Vários, como Graciliano Ramos, que me parece o maior, Raquel de Queiroz, Frederico
Schmidt, etc.

Na literatura moderna nacional existe algum escritor que em sua opinião possa se 
nivelar a Machado de Assis ou Euclydes da Cunha?
Não se pode tomar para comparação um Machado de Assis, tão pessoal na sua obra. Mas
em intensidade literária, dentro do seu próprio gênero, há escritores atuais que podem até
superá-lo. Aliás, em minha opinoão, seria mais fácil superá-lo do que igualá-lo. Machado tinha
muita personalidade. Como romancista, ele não é seguro, não obedece a normas; por isso me
parece fácil superá-lo, mais que igualá-lo. Euclydes da Cunha não me agrada....

Qual o livro nacional ou estrangeiro que lhe tenha deixado maior impressão?
Esta é uma pergunta difícil... porque eu sempre passo épocas em que tal ou qual livro me
impressiona. Depois o esqueço e outro toma o seu lugar. Às vezes o que me agrada num livro
é o “tom”, o plano em que o autor se move. E se em outro livro o autor muda o “tom”, eu perco o
interesse. É um estado d’alma.

Acha que a Guerra possa influir sobre a literatura?
Pode. Talvez um certo ceticismo se apodere da literatura do após-guerra. Também os motivos
humanos ocuparão seu lugar. Mas ao certo não se pode prever.

Qual a sua opinião sobre a “coleção das moças”?
Corresponde a uma necessidade da idade. Há uma fase na vida da moça em que tal literatura
é indispensável. Mas apesar de eu já ter sofrido essa necessidade, hoje tenho pena das
moças que lêem exclusivamente esta literatura.

E sobre a literatura infantil?
Monteiro Lobato é sozinho uma literatura neste gênero. Suas obras compõem o que há de
melhor a este respeito no Brasil. Além disso, temos Marques Rebello. Ainda não se pode,
todavia, confiar em uma literatura infantil no Brasil.

E sobre a poesia?
Eu nunca procurei a poesia. Gostei sempre mais da prosa. Admiro particularmente Augusto
Frederico Schmidt.

Qual o maior poeta nacional em sua opinião?
Eu diria Castro Alves porque sei que é o melhor. Mas não tenho apreciação pelos condoreiros.
Se a pergunta se refere aos que gosto, posso falar de Augusto Frederico Schmidt, com o seu
“Cântico do Adolescente” que muito me impressionou há anos atrás.

 Quais os melhores livros da literatura universal, na sua opinião?
“Humilhados e Ofendidos”, “Crime e Castigo”, de Dostoievski, “Sem Olhos em Gaza”, do
Huxley, “Mediterrâneo”, de Panait Istrati e as obras de Anatole France em geral. Mas isto é só
do que já li.

Depois, a própria Clarice se encarrega de nos apresentar a um colega. Augusto Baêna, quarto anista e presidente do Centro Cândido Figueiredo da Faculdade de direito...

(Na foto, Clarice aparece com saia xadrez bem miudinho, blusa gola reta de manga comprida, bolsa tipo carteira embaixo do braço e cabelos em quase coque...)

P.S: Enquanto fotografava as anotações para postar aqui, recebi uma mensagem de Benjamin Moser via twitter. Coisas de Clarice....


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