sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Água Viva ainda viva 33 anos depois

Novela de Gilberto Braga exibida em 1980, Água Viva está de volta no Canal Viva. Trinta e três anos depois, acompanhar aquela história assume outros sabores. E permite observar a mudança do gênero novela: cenas e diálogos imensos, elenco enxuto, uma trilha sonora de sonhos puxada por João Gilberto e a preciosa Wave, assuntos sérios tratados sem apelação (o dinheiro e o valor dele é tema central). Dia desses, por exemplo, o professor Edir (Claudio Cavalcanti) ensinou que Umberto D, o clássico de Vittorio de Sica tem esse título em homenagem ao pai do diretor: o "D" é uma simplificação de De Sicca. Sim, nos anos 80 neorealismo italiano cabia na novela das oito e não assustava a audiência. E alguns dos temas discutidos continuam polêmicos no Brasil do séc 21, "O toplessaço" no Rio há alguns dias mostra isso.

Isto É, 23 de abril de 1980
A "comuna" que abriga a turma jovem da trama é destaque e esse texto abaixo fala dela com propriedade. É um box de um perfil de três páginas com Lucélia Santos na revista Isto É de 23 de abril de 1980 - O tipinho que deu certo, título que se referia ao padrão de beleza da estrela bem diferente das gostosonas da época. “Nova estética às oito da noite” e “Lucélia Santos um mito erótico para os 80?” eram chamadas da matéria assinada por Benicio Medeiros. A novela estava há dois meses no ar. A "comuna" abrigava Fabio Junior e Jorge Fernando (e Lucélia Santos circulava sempre por lá) que, em 1978, protagonizaram (junto com Denise Bandeira) a série Ciranda Cirandinha, precursora de assuntos jovens e ousados na televisão. Quem se interessar, Ciranda Cirandinha foi lançada em DVD. Bom, segue o texto sobre os jovens da novela de Água Viva. Ah, só mais um detalhe: Gilberto Braga tinha 34 anos quando escreveu Água Viva. Bem jovem para o padrão de autores do horário nobre. João Emanuel Carneiro, o mais jovem deles, tinha 42 quando fez Avenida Brasil.


                                          A esfuziante rapaziada global

Uma noite deu para perceber que enrolavam cuidadosamente alguma coisa entre os dedos, na forma de um baseado. Discutem política com a liberdade que a retórica dos mais velhos não conhece. Soltam-se em seus windsurfs ou voam em suas motocicletas. Expressam-se em gíria. Libertam-se em topless. Extravassam-se em sentimento e emotividade. Vivem em comunas ou estão mergulhados num permanente conflito com os pais, caretas, imbecis, idiotizados.

Em Água Viva, a batalha de gerações já tem um vencedor. O autor. Gilberto Braga, 34 anos, fez a esperada opção. Seus meninos são exuberantes, amam a vida, amam-se e são amados. E, em toda essa bronzeada e risonha galeria, nenhum deles apresenta o efeito multifacetado, a densidade existencial, o elenco de contradições do personagem Janete – o alter ego telenovelístico de Lucélia Santos e, dizem, cópia impecável da própria protagonista.
A censura cororoca certamente deve estar de olho nessa esfuziante moçada, com o já surrado argumento de que nem sempre o que é bom para Ipanema (leia-se, no caso, Leblon) é bom para o fundão do Brasil. Dir-se-à, logo, que há exageros, perigosa e exemplar licenciosidade em se viver junto, por exemplo, sem estar casado. Eis aí a composta meta-ironia: censura contra novela reproduzindo a batalha de gerações. Aguardar para ver a quem a Globo dará razão. (Revista Isto É, 23 de abril de 1980)

4 comentários:

Helena Vitória disse...

Muito boa a matéria/análise sobre a clássica novela "Água Viva". Parabéns!

Helena Vitória disse...

Muito boa a matéria/análise sobre a clássica novela "Água Viva". Parabéns!

Unknown disse...

Essa novela deveria ser analisada por algum sociólogo para definir a evolução da juventude brasileira, se é que eles "evoluíram"...Sem contar os hábitos dos mais velhos: não usavam capacetes e nem cinto de segurança e não trancavam os carros...entre outras coisitas más que eu percebi...

Anônimo disse...

Vilmar, você escreve muito bem, querido! Deu vontade de ver a novela. Posso encaminhar pro Gilberto?
Beijo, Louise.

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