sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Bogart e Bacall em 5 atos e por ela

Casal lendário dos anos dourados de Hollywood, Humphrey Bogart e Lauren Bacall viveram 12 anos juntos, até a morte dele, em 1957, depois de longa enfermidade. Quando se conheceram, Bogart tinha 44 anos e era um astro. A modelo Lauren, 19, iniciava no cinema ao lado dele em Uma Aventura na Martinica, onde tudo começou. Abaixo, o romance dos dois, em cinco atos, e nas palavras de Lauren na autobiografia Bacall Fenomenal, lançada em 1978. Lauren Bacall morreu na terça, 12 de agosto, aos 89 anos.

Casablanca


Numa manhã de sábado de 1942 Mamãe e Rosalie me levaram ao Cinema Capitólio para assistir a um filme intitulado Casablanca. Todas gostamos muito do filme e Rosalie ficou louca por Humphrey Bogart. Achei-o muito bem no papel – mas louca por ele? Absolutamente não. Rosalie julgava-o sexy; eu o julgava maluco. Mamãe gostou dele, embora não tanto quanto de Chester Morris, que ela realmente achava sexy, ou de Ricardo Cortez, que ocupava o segundo lugar de sua preferência. Eu não conseguia entender a opinião de Rosalie. Bogart nem mesmo se assemelhava a Leslie Howard. De forma alguma. Vejam só como eu pensava naquela época.

Apresentação
Certo dia, antes do final do ano (1943), Howard Hawks me chamou à Warner Brothers. (...) Ele adquirira os direitos de filmagem de um livro de Hemingway, no qual eu nunca ouvira falar, intitulado To Have and Have Not (Uma Aventura na Martinica). Na ocasião Bogart estava trabalhando num filme chamado Passage to Marseille (Passagem Para Marselha). “- Vamos dar um pulo até o set e ver como estão as coisas” – sugeriu Howard. (...) O palco de som para a filmagem de Passage to Marseille era enorme e vazio. Howard conduziu-me a um local onde o cenário fora montado e os técnicos experimentavam a iluminação da cena seguinte. Michèle Morgan estava sentada num banco, no cenário. Howard mandou-me esperar ali, dizendo que voltaria logo. E voltou – em companhia de Bogart. Apresentou-nos. Não houve raios ou trovões. Apenas “olá, como vai?”. Bogart era mais franzino do que eu imaginara – um metro e setenta e pouco de altura – e usava as roupas do filme: calças largas, camisa de algodão, um lenço no pescoço. Nada de importante foi dito – demoramos pouco no set – mas ele me pareceu um homem amável.



Primeiro beijo
Uma Aventura na Martinica
Não sei como aconteceu, pois foi quase imperceptível. Estávamos filmando (Uma Aventura na Martinica) há quase três semanas; no final do dia eu ainda tinha que fazer mais uma tomada e estava sentada à penteadeira do camarim, penteando o cabelo, quando Bogie entrou pra se despedir. Parou atrás de mim. Brincávamos, como de costume. Então ele se inclinou repentinamente, colocou a mão embaixo do meu queixo e me beijou. Foi um gesto impulsivo, pois ele era um tanto tímido. Não era uma tática de conquistador atrevido. Em seguida tirou do bolso uma caixa de fósforos e pediu-me que escrevesse meu telefone nas costas. Escrevi. Não sei exatamente porque o fiz; creio que fazia parte de nosso jogo. Bogie era por demais meticuloso em termos de vida pessoal; tinha fama de não se envolver com mulheres, quer no trabalho ou fora dele. Não era do tipo Don Juan, e além disso era casado com uma mulher famosa por beber demais e criar arruaças. Uma “durona”, capaz de agredir as rivais imaginárias com um cinzeiro, um abajur, ou qualquer outro objeto que estivesse a seu alcance.
(...)
Ao terminar o trabalho no dia em que dei meu telefone a Bogie voltei para casa, seguindo a rotina: após comer alguma coisa li o texto que deveria filmar no dia seguinte e fui para a cama. Por volta das onze o telefone tocou. Era Bogie. Tomara alguns drinques, ainda não voltara para casa e desejava saber como eu estava. Chamou-me de Slim e eu o tratei de Steve, como no filme. Fizemos algumas piadas e afinal ele se despediu, dizendo que me encontraria no estúdio, na manhã seguinte. Isso foi tudo – mas o fato é que nosso relacionamento mudou a partir daquele momento. Ele me levou várias vezes para almoçar no Lakeside Golf Club. Passamos a conversar no meu camarim – ou no dele – com a porta aberta, descobrindo coisas a respeito um do outro. Quando ele jogava xadrez com alguém no set – era um ótimo jogador – eu assistia, postando-me perto dele. A aproximação física se tornou cada vez mais importante. Mesmo assim continuamos a levar as coisas na base da pilhéria.

Vida normal
Na época, éramos um casal feliz, com fama e fortuna. Jamais conheci alguém que pudesse ameaçar nosso casamento. Quando eu, por acaso, flertava inofensivamente, estava apenas fazendo o que sempre fizera quando mais jovem. Tornávamo-nos um casal cada vez mais popular; espalhou-se a notícia de que o lar dos Bogart era muito divertido. Todos queriam ser convidados para nossas festas de Natal, e no ano em que Steve nasceu inaugurei mais uma tradição: nossa festa de aniversário de casamento. Era um divertimento total: o tempo estava sempre quente, as mulheres muito bonitas, as plantas sempre florindo. (...)


O Fim
Naquele período tínhamos duas enfermeiras. Quando a dor piorava, o médico receitava algo; não sei bem o que era – morfina? Áquela altura Bogie estava tão magro que cada injeção lhe deixava uma marca; as regiões limpas se tornavam cada vez menores. Uma tarde, ele saiu da cama e moveu a cadeira de rodas até a espriguiçadeira, vestindo apenas a parte superior do pijama. Sua vontade de viver era tão forte que ela conseguia obrigar o corpo a fazer coisas de que já não era capaz. Bogie era apenas pele e osso; não sei como pôde levantar-se – vê-lo fazer tamanho esforço foi algo terrível, de partir o coração.


(...)

É realmente extraordinário que Bogie jamais me tenha dito algo em termos de “Se algo acontecer comigo... Quando... Eu sei que...” Continuamos a nos comportar como se a moléstia não passasse de uma gripe forte. Bogie estabeleceu o ritmo e sua atitude me obrigava a acompanhá-lo. Certa vez, ele me disse: “Se você estiver bem, eu também estou; quando você se perturba, eu também fico perturbado”. Portanto, só me restava ficar bem.


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