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Hilda: Biarritz, 1957. Foto do Cadernos de literatura do IMS |
“Organizei um livro em forma
de entrevistas, pretensiosas. Conto dos entrevistados, enquanto conto de mim”:
é assim que Rita Ruschel auto-apresenta seu Meus Tesouros de Juventude. Editado
em 1983, volta e meia o retiro da estante e releio uma
das “entrevistas, pretensiosas”. Tem Elis Regina, Tom Jobim, Toquinho, Lima
Barreto, o pai dela Alberto Ruschel e muitos outros que, como diz o título, ela
conheceu quando jovem. Hoje, fui direto a Hilda Hilst: “Eu a conheço desde
pequena. Conheço é força de expressão. Foi o tipo inesquecível da minha
infância”. São onze páginas que se lê com a sensação de estar andando com as
duas mulheres pelo sítio de Hilda em Campinas, quando a escritora tinha 50 anos: “Estávamos caminhando pelo
jardim, indo em direção à figueira centenária. (...) Sentamos embaixo da
árvore, na mesa e nos bancos de pedra. Começava a ventar, jeito de tempestade”.
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Marlon Brando e Irwin Shaw: Paris, 1957. Foto site Irwin Shaw |
A vontade é de copiar o
perfil inteiro. Ainda mais depois que o googleio revelou que não está na rede.
Nada. Vou é copiar um parágrafo extenso, que reúne Hilda, Marlon Brando, Dean
Martin, Hotel Ritz, Paris. É como se fosse uma das tramas do Meia Noite em
Paris, do Woody Allen. Acontece em 1957, quando Hilda viajou pela Europa, de
junho a dezembro. E Brando esteve por lá nesse ano filmando Os Deuses Vencidos
(The Young Lions), baseado em livro de Irwin Shaw (olha os dois na foto ao
lado, em 1957) em que interpretou um oficial nazista. Abaixo, o relato de Rita Ruschel.
“Numa noite daquelas antigas,
eu escutei Hilda e a minha mãe conversando meio de surdina. Fecharam a porta da
sala e eu, do meu quarto, pude entreouvir uma referência a Marlon Brando. Elas
estavam falando do meu ídolo cinematográfico, o gênio das telas. Como se
tratava de uma pessoa muito importante para mim, deixei por isso mesmo, guardei
as coisas assim dentro de mim. Quando fui entrevistá-la vinte anos mais tarde
cheia de dedos, resolvi esclarecer a minha fantasia. Foi assim. Hilda estava em
Paris namorando Dean Martin, rapidamente. Jantaram com Tony Curtis e ela
escapou para o Hotel Ritz. Sabia que naquela noite chegava Marlon Brando.
Debaixo de uns martinis seguiu para lá. Trajando na ocasião um vestido longo
bordado e uma tiara na cabeça, enfeitando de brilhantes o seu cabelo louro. O
gerente avisou que Monsieur Brando não poderia recebê-la. Ele sairia muito cedo
para filmar na manhã seguinte. Como ela passou alguns francos por baixo do
balcão, o francês, gentilmente, indicou o caminho. Bateu na porta do
apartamento, insistiu e ninguém abriu. Achou estranho. Nisso um ator francês
saiu do apartamento em atitude suspeita, avisando que o ator não estava
hospedado lá. Depois que ele foi embora, Hilda insistiu até que Marlon Brando abrisse.
Estava de foulard e chambre de seda. Ela, desapontada, achou que ele era muito
baixinho, não sabe se por estar de salto muito alto ou se pelos martinis que
tinha tomado. Ao cumprimentá-lo a tiara escapou de sua cabeça e ela foi
obrigada a ajeitá-la, sem graça. Como não foi convidada a entrar, na soleira da
porta, foi avisando que tinha vindo do Brasil apenas para entrevistá-lo. Ele
estranhou o adiantado da hora, mas ela foi convincente. À queima-roupa
perguntou “O que você acha de Franz Kafka?” Ele, estarrecido com o nível,
respondeu “Quero que se lixe o Kafka e a família dele inteira!” Hilda desancada
teve que recompor a tiara mais uma vez. Engatou uma primeira e prosseguiu “Senhor
Brando eu vim de longe para saber isso, os jornalistas só lhe fazem perguntas
banais.” Ele, vendo aonde ela queria chegar, disse que daria uma entrevista
bastante extensa noutra noite, porque realmente teria que estar de pé muito
cedo no dia seguinte. “We´ll keep on touch”.