terça-feira, 16 de maio de 2017

Uma beata na vida de Joana Fomm

Perpétua está de volta na reprise de Tieta no Canal Viva. E Aguinaldo Silva já anunciou que ela vai ganhar outra vida na próxima novela que ele escreve – será a avó da protagonista. E interpretada por Joana Fomm, claro. Joana tem acompanhado a reprise e se divertido com alguns detalhes, como a semelhança entre a voz da tribufu e a de Sebastião Vasconcelos, que faz o pai. Abaixo, Joana Fomm fala do processo de criação da personagem em um capítulo de Minha História é Viver, que escrevi para a Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial de São Paulo. Ela fala da força de Armando Bógus, do tom circense que causou estranheza quando começaram as gravações, da "feiúra bonita" da irmã invejosa da personagem título e muito mais.

              UMA BEATA EM MINHA VIDA

A feiúra bonita de Perpétua
Lá pelo final dos anos 1980, andava atrás de um papel diferente, uma personagem boa só para variar. Fui escalada para duas novelas ao mesmo tempo, Tieta e uma das seis, onde eu faria uma boazinha. Do Aguinaldo Silva, Tieta baseia-se no romance de Jorge Amado que eu não tinha lido. Armando Bógus, amigo queridíssimo, conhecia o livro e me disse pra não perder esse papel, pois Perpétua, a irmã invejosa e amarga da personagem título, era fantástica. Procurei a direção da emissora e me pus à disposição para o papel, caso contrário estava fora.

Foi assim que me deram Perpétua, a tribufu de Tieta, mas ninguém acreditava que eu podia fazer a personagem, que era uma mulher feia, troncuda e assim descrita pela divulgação da novela: Peito seco, sempre de luto, frustrada, falsa cristã, já que, como lhe diz o padre, não conhece o dom da caridade. Guta, que era minha amiga e chefe do departamento de elenco da Globo, me disse assim: Ah, Joana, você vai ficar feia. E ficar feia na televisão é um pesadelo que apavora as atrizes.

Parti para a caracterização da personagem. O cabelo era uma peruca que fazia aquele coque atrás e a maquiagem, só uma base para disfarçar olheiras e imperfeições de pele, que era para ficar engraçada. A figurinista Marília Carneiro tinha feito vários vestidos pretos e eu sugeri que como ela só iria vestir preto poderia ter só uma roupa. E assim foi: uma roupa mais firme para estúdio e uma mais fresquinha para as externas, já que a novela foi gravada no verão. Toda de preto, com sapato, bolsa, bota e guarda-chuva, fui mostrar o resultado pra Guta que me disse você está linda. Pronto, tínhamos encontrado a feiura que queríamos, uma feiúra bonita.
(....)
Depois de algumas megeras grã-finas, como as famosas Yolanda Pratini e Lúcia Gouveia, topei com Perpétua, mulher simples e com o mundo mítico do nordeste dentro de si. Essa nordestina maluca foi tomando conta de mim e a cada dia inventava um trejeito novo para ela e improvisava pensando nas coisas que a rabugenta gostaria de fazer e dizer. Para mim, Perpétua era engraçada e meio louca, e resolvi fazê-la circense, o que provocou muita resistência. Tá muito ruim, várias pessoas vieram me falar. Recebia recados dos diretores para amenizar, que aquilo não ia sair bem. Eles achavam que a personagem tinha de ser mais fechada, para dentro e eu não conseguia vê-la daquela forma de jeito nenhum. Meu colega Bógus dava força e dizia tá bom, vai fundo e o pessoal da técnica também incentivava: Tá ótimo. Quando a técnica diz que está bom, acredite. Eu já tinha Perpétua na minha cabeça. Sempre que faço uma personagem, vejo a figura numa espécie de filminho. E quando vejo esse filminho, só tenho que me botar naquela personagem que está aparecendo ali. Eu já sabia como a Perpétua era. Quando entrou no ar, ficou uma maravilha e as pessoas adoraram. Mas no princípio todo mundo era contra. Reinaldo Boury, que dirigia a novela, foi a única pessoa que veio me dizer: Joana, você tinha razão.

Armando Bógus dava força e dizia tá bom, vai fundo
Acho que a Perpétua foi o trabalho que mais me deu prazer no sentido de que eu finalmente estava tentando fazer uma interpretação circense, que eu queria fazer há muito tempo. Era o que o Paulo Gracindo fazia e eu queria chegar lá. Precisa ter um despojamento total para isso e fiquei felicíssima com o trabalho. Tive muito apoio do Armando Bógus e de toda equipe que era muito unida. Bógus era uma delícia, ele acompanhava a evolução da personagem e vibrava comigo. Teve uma cena que a gente gravou milhões de vezes. Ele me perguntando sobre a caixa preta onde eu guardava o sexo do meu marido e eu ia ficando rouca, cada vez mais rouca. No final da cena, Bógus tinha que olhar para mim e não conseguíamos gravar porque ele caía na gargalhada. Com Paulo Betti, a coisa ia por caminhos semelhantes. Ele falava sumpaulo, eu morria de rir e tínhamos que gravar e regravar.

o sapato de padre
Além do coque estranho, Perpétua usava um sapato preto de padre, com uma meia até em cima, uma saia reta preta e uma espécie de casaquinho preto que fazia um tailerzinho sem graça, com ombro pequeno. Até hoje me perguntam o que tinha dentro daquela caixa preta. Adoram quando eu digo que era o sexo do marido empalhado.

Conheci várias Perpétuas. O maquiador Carlinhos Prieto, já falecido, foi quem me deu a primeira informação. Ele me contou que as Perpétuas do interior do Brasil eram durinhas, andavam depressa, sempre rápidas e enérgicas. Ganhei gravuras da Perpétua, que mandavam para mim. Um tempo depois fui a Portugal e encontrei várias por lá, só que mais gordinhas e com mais bigode. Todas vinham falar comigo e eu brincava com elas: Quer dizer que depois que ficou viúva nunca mais nada... E elas riam. Perpétua virou a alegria da garotada. Os garotos de rua chegavam para mim e diziam corre atrás da gente, corre. Eu levantava o guarda-chuva ou o que tivesse na mão, fazia aquela voz grossa e eles saíam correndo. Eles adoravam essa brincadeira.

Minha História de Viver, o livro de Joana Fomm, pode ser lido e baixado gratuitamente no site da Imprensa Oficial. Abaixo o link:

Um comentário:

Cleiton disse...

Adorei!

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