segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Mestre da boemia, Lupicínio Rodrigues explica "O que é um boêmio"


No dia que seria o do seus 105 anos, Lupicínio Rodrigues é doodle, a homenagem do Google. E suas canções seguem vivas. Adriana Calcanhotto e Arrigo Barnabé, por exemplo, revisitaram a obra do mestre em shows que viraram CD e DVD.
Aqui uma crônica sobre boêmio e boemia para comemorar os 105 anos do gênio da música brasileira. Foi a primeira da coluna que Lupicínio manteve no jornal Última Hora de Porto Alegre, entre 9 de fevereiro de 1963 e 29 de fevereiro de 1964. Era a entrada de Lupicínio nos 50 anos - ele nasceu em 16 de setembro de 1914. Essas crônicas estão no livro Foi Assim (L&PM, 1995), organizado por Lupicínio Rodrigues Filho. Lupicínio Rodrigues morreu em 27 de agosto de 1974.

                                               O QUE É UM BOÊMIO

Caro leitor, ao iniciar esta série de crônicas, quero primeiramente agradecer à direção de Última Hora, por me haver dado oportunidade para falar um pouco de nossa cidade, da nossa música, dos nossos boêmios... E por falar em boemia, que é a alma de tudo que se refere à noite, acho que há necessidade de desfazer um mal-entendido com respeito a esse vocábulo, pois ele tem sido muito mal interpretado. Quase todo o mundo caracteriza o boêmio como um indivíduo sem caráter, que não trabalhe, que vive a cometer desajustes, ou mais comumente: um vagabundo. Ser boêmio não é nada disso. O boêmio, em princípio, é um notívago, depois um poeta, um amoroso, um admirador das serestas e é realmente um companheiro da lua.

 Poderia citar aqui uma grande relação de nomes de médicos, engenheiros, advogados e outros, que são grandes boêmios e que, como eu, gostam da madrugada.

Quanta gente, meus caros leitores, só conhece a mudança da lua pela folhinha, nunca deu aos seus olhos o prazer de ver uma lua cheia, porque dorme antes da lua sair e acorda depois que ela vai embora.

Os boêmios, quase sempre, são artistas ou pessoas muito sentimentais; digo pessoas, porque existem também mulheres boêmias, mulheres que, igualmente gostam da noite e sabem que é na noite que se faz música, que se diz poesia com mais sentimento e que, enfim, é à noite que o amor é mais amor.

O sol, com excesso de luz, parece não nos inspirar a grandes idílios, o que a lua consegue muito mais graciosamente com sua penumbra.

As mulheres são as flores que enfeitam e a luz que ilumina nossos caminhos, quando nossos olhos já cansados esperam a madrugada. Sem elas, sem a lua e sem as estrelas, nós boêmios não teríamos razão para viver e nem teríamos a noite para nossa companheira.

Espero ter sido entendido por meus amigos e como agradecimento a quem nos aceita assim como somos, apaixonados pela noite, ofereço a letra de uma de minhas últimas composições, a guarânia Contando os Dias. E gostaria de registrar também que esta coluna ficará à disposição dos leitores para solicitarem o que desejarem saber a respeito das minhas músicas e sobre o roteiro deste boêmio, que sairá todos os sábados neste espaço de UH.

CONTANDO OS DIAS*
Estou contando os dias...
O que eu esperava
vai se aproximando...
Estou contando as horas
- Seus apaixonados
vão se retirando -
Quando a mulher tem dono
Todo mundo adora
Todo mundo quer,
Quando ela está sozinha
Não é nada mais
que uma mulher...
Aquela que a meu lado
era uma deusa era uma rainha
Agora igual às outras infiéis
Vai ficando sozinha.
Conselho "pra" mulher
não adianta nada
Ela não sabe quando
a desejam
ou quando realmente
é amada.
E até sábado...

* No youtube só encontrei essa versão de Contando os Dias com Carlos Galhardo (1913-1985),  o que acentua o tom nostalgia da guarânia




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