
Obviedade é coisa que odeio. Piadas óbvias, então. Sabe gente que fala “loser” pra se referir à banda Los Hermanos? E “loser” é, provavelmente, uma das palavras mais escrotas do planeta, daquelas que só fica feia para quem a pronuncia. Loser pra quem, cara pálida? Bom, voltando, hoje morreu Maria Scheneider e no twitter, claro, eclodem as piadinhas sobre manteiga. Pobreza de espírito. A tal cena da manteiga é apenas um detalhe (quase cândido aos olhos atuais) de um filme obra-prima.
Pois o escândalo O Último Tango em Paris crucificou Maria Schneider. Para o então quase cinquentão Marlon Brando, ao contrário, representou a volta ao estrelato. Mas a garota de 19 anos só faltou ser mandada à fogueira por tal ousadia. E isso que era a primeira metade dos anos 70, tempos mais liberais.
O Último Tango demorou anos pra chegar ao Brasil. Assisti pela primeira vez bem garoto e a famosa cena da manteiga nunca me impressionou. A beleza - sem retoques e ao estilo natural de então - de Maria Schneider sim, tanto que virou símbolo de uma época. A fama da jovem francesa foi tanta que até nas sátiras musicais dos Trapalhões foi parar – Maria xinaida, na linguagem do Didi.
La Schneider fez pelo menos mais dois bons filmes: Passageiro – Profissão Repórter e Caros Pais, esse menos visto e com Florinda Bolkan como uma mãe à procura da filha na swinging London. O escândalo O Último Tango e a loucura daqueles anos não davam trégua. Maria Schneider aparecia nas revistas com uma namorada ("lésbica!"), mergulhava nas drogas e aos poucos o mundo foi esquecendo dela. Nada de novidade, atitudes ousadas costumam ser punidas pela sociedade conservadora e machista – vide Frances Farmer e Lindsay Lohan, em épocas tão distintas.
No começo dos anos 90, quando a epidemia da aids estava no auge, ela apareceu no elenco de Noites Felinas (Nuit Fauves), filme escrito, dirigido e estrelado por Cyrill Collard, que era soropositivo e morreu praticamente quando o filme fo lançado. A moça linda dos anos 70 já não existia e aquele rosto trazia as marcas de uma vida complicada. O mundo também era outro e menos liberal.
O corpo de Maria Schneider será enterrado no famoso cemitério Père-Lachaise, de Paris. Olho agora a foto dela aos 58 anos, a idade com que morreu. Não é a imagem que vou guardar, pra mim será sempre a garota linda e à procura da felicidade de O Último Tango em Paris. A cena da manteiga? Ah, não me venha com obviedades. É tudo bobagem de uma sociedade impiedosa para punir quem ousa fugir de suas amarras.