sexta-feira, 22 de março de 2019

Adriana Calcanhotto lá bem atrás e agora, sempre inquieta



A foto acima é print screen de Margem, vídeo da nova canção de Adriana Calcanhotto que acabei de assistir. E vieram lembranças. 

Minha primeira entrevista com Adriana Calcanhotto - e acho que a minha primeira entrevista - foi lá pela metade de 1986, tarde de inverno, na casa em que ela morava. Era pro jornal da faculdade, o Experiência da PUC de Porto Alegre. A matéria não era apenas com Adriana e juntava um bando de mulheres cantando que surgiam por lá. Abria com Adriana:

Jornal Experiência, PUC/RS, agosto 1986
"São dezesseis mulheres cantando, não há como negar que existe um movimento. Numa terra onde os machos tiveram a cultura sempre na mão é uma coisa que não dá pra camuflar, enfatiza a cantora e compositora Adriana Calcanhotto. Ela vem fazendo shows com Luciana Costa em bares onde iniciou sua carreira. Adriana diz que gosta de cantar nestes locais, mas observa que o público é difícil - "é preciso chamar a atenção, nem que seja no volume".

"A música do sul ganha espaço com novos talentos" era o título da tal "reportagem", em parceria com um colega - eu entrevistei quase todas as cantoras, aquelas coisas de faculdade. Por aqueles azares, só o nome dele apareceu no impresso, seguido de uma barra onde viria o meu, que deve ter caído na gráfica. Claro que fiquei maus, mas a vida segue e pode ter surpresas: poucos anos depois, já morando em São Paulo, a entrevistaria outras vezes e meu nome apareceria assinando as matérias.

Adriana é de uma turma de cantoras, que inclui Marisa Monte e Cássia Eller, que começaram no final dos anos 80, início dos 90. E desde o início me chamou a atenção a maneira como conduziu sua carreira, batendo o pé e gravando o que queria e isso quando ainda nem tinha cacife para tanto. E aproximando-se da literatura: em seus discos pode-se ouvir a voz da escritora americana Gertrude Stein, nome de livros de poesia inseridos em letras - A Cinza da Horas (Manuel Bandeira) e Dentro da Noite Veloz (Ferreira Gullar) em Vambora, por exemplo, e muitas outras audácias. Adriana Partimpim é outra audácia da pilombeta e toda vez que ouço a "versão para crianças" de Jorge da Capadócia fico tocado. Nesse "gravar o que quer", há um quê de Maria Bethânia, que sempre a elogiou e gravou várias de suas composições.

Bom, essas lembranças vieram pós o vídeo de Margem, onde ele aparece raspando o cabelo. A canção é ótima e Adriana Calcanhotto segue inquieta após esses anos todos. E isso não é para todos, só para os que se arriscam.

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