Tive a honra de entrevistar
Dorival Caymmi por telefone em 1994, pouco antes de ele completar 80 anos. Foi
por telefone, tempo marcado - 20 minutos - mas a primeira coisa que ele
perguntou foi quanto tempo eu precisava para uma boa entrevista. E a nossa
durou uns 40 minutos. Desliguei o telefone emocionado. Era perto do meio-dia,
lembro bem.
É das minhas entrevistas
inesquecíveis. Saiu em três páginas da revista Áudio News e não houve espaço para
um texto da Nana falando sobre o pai. Dia desses, apareceu uma lauda (folha com o
logo das publicações e marcação) com esse "depoimento" - a entrevista
com Nana foi pessoalmente e não foi a única que fiz com ela, que tem um estilo
de falar despejando palavras e com os palavrões usados feito vírgula e sem aquele
peso que costuma acompanhá-los em outras bocas ou quando transcritos. O pai Dorival não falava
palavrões, a mãe Stella sim, ela disse. E falou de Pequeri, a cidade onde o
velho Dorival vivia: "uma merda".
Nana Caymmi, aos 53 anos, fazia
sucesso com o disco Boleros (ao lado, essa publicada) que a devolveu ao mercado depois um daqueles longos
afastamentos meio comuns em sua carreira.
Abaixo Nana fala de Dorival
Caymmi, exatamente como escrevi (e não saiu publicado) em 1994.
"Tenho que botar
Dorival Caymmi para trabalhar nas comemorações dos 80 anos e isso é uma missão
difícil. Toda vez que tenho que falar com papai, vou primeiro ao banheiro,
porque ele não é fácil. Ele fala e tenho que ouvir, senão ele já diz:
"Você nunca me ouve, sempre foi assim." Quando começa a falar fica
horas e horas.
Uma vez em excursão por
Portugal, o show acabou e Danilo sumiu com os músicos me deixando a missão de
tomar conta do papai. A fila de cumprimentos era enorme, cheia de autoridades,
o Mario Soares tava lá, uma festa. E papai ficava dando a maior atenção para
todos, contando histórias, falando de Amália Rodrigues. Era uma da manhã,
estávamos em Cascais e nada de ele ir embora. Eu falava: Papai, o pessoal tá
querendo fechar o teatro e ele lá na maior tranquilidade, conversando com
todos.
Agora, nas comemorações dos
80 anos é minha vez de convencê-lo a fazer shows. O Danilo cobra e me deixa com
a missão de convencê-lo.
Ele e a mamãe estão casados
há 52 anos e desde pequena ou ele ameaça de ir pro hotel e ela de ir embora.
Papai é contido. Não falava
palavrão, só mamãe. Ela já foi internada várias vezes para desentupir as
artérias. Tá sempre reclamando e brigando com a mulher do Dori, aliás com
qualquer mulher que se aproxime do Dori. Dori é a vida da mamãe.
São Pedro do Pequeri, a
cidade mineira que mamãe nasceu é uma merda e papai adora. Não dá para entender
como o homem que fala do mar no lugar que não corre um córrego.
Não tem nada por lá. Nada:
cinema, teatro, nada. Eles só falam de comida e futebol. Ano passado,
papai fez uma grande pesquisa para
escolher o artista que eles queriam ouvir. Venceu Elba Ramalho. O show dela foi
um acontecimento e até hoje as pessoas falam disso."
Nenhum comentário:
Postar um comentário