Foi uma festa quando você
chegou, há mais de 20 anos. E veio de graça não, custou sofridos e suados
quatro mil dólares. Na primeira década você tinha uma companheira inseparável,
praticamente gêmea: a secretaria eletrônica. Ainda lembro com saudade a delícia
que era abrir a porta e dar de cara com aquela luz vermelha piscando como se me
saudasse - "oba, tem recado" - e raramente era algo indesejável. Chegava
a ligar da rua para pegar as mensagens.
Ah, e como numa canção do
REM (At My Most Beautfiful), gravava as que me falavam ao coração. Dia desses
encontrei uma fita daquelas pequenas que alimentava a sua companheira secretaria
e ali os recados de então, de gente que se foi, inclusive. Foi bom ouvi-los
depois de tantos anos e doloroso também.
Você me conectou ao admirável
mundo novo da internet - a discada, claro - e nunca vou esquecer o ruído aquele.
Eram horas e horas de linha ocupada. Você atarefadíssimo, até cogitei comprar
outro número, mas nunca o fiz. Lembra daquele fio imenso que usávamos para
andar pela casa? Era divertido.
Nos primeiros tempos você
tinha menos dígitos - começava com 881 - e depois cresceu, ganhou mais um e foi
promovido a 3081. Lá pela metade dos anos 90, o golpe fatal que nem percebi
como tal: a chegada do celular. Aos poucos, os recados na secretaria eletrônica
foram rareando, até que um dia ela quebrou e não foi substituída. Você mais
mudo a cada dia.
Hoje saí da cama e ainda
tentava me convencer que acordado estava lendo as notícias pelo celular. Em menos
de 20 minutos, três sinais de vida seu, meu caro telefone fixo. E eram três
ligações de telemarketing - duas gravações e uma daquelas senhoras fofas
pedindo dinheiro para assistência social. Infelizmente, são essas as vozes que
usam você para penetrar no meu mundo. E outras mais terríveis também, aquelas
que tentam o golpe do falso sequestro: "Pai, Pai, Pai...", diz quase a
voz chorosa pra mim que nem filho tenho. Dá pra contar nos dedos de uma mão os amigos
e familiares que discam - alguém ainda disca? - seus oito dígitos. É duro dizer
isso, meu caro telefone fixo, mas você se tornou um pesadelo. E um pesadelo que
me custa praticamente 500 reais por ano - e para receber propagandas e ameaças.
Quando é que começou a tomar
conta de você esse pesadelo chamado telemarketing? Será que você percebeu? Aos
poucos, como tudo, até se apossar feito um posseiro e inviabilizar a nossa
relação. Sim, inviabilizar nossa relação. Sinto muito, meu caro telefone fixo,
mas não dá mais e esquecer seu número que parece incorporado a mim parece a
única solução. Tudo acaba, fique triste não. Até porque o celular, nove
dígitos, nem tagarela é - ele gosta mais da comunicação via escrita, algo que
você nem entende o que seja. Fomos felizes, fomos sim, mas hoje não dá mais.
Adeus, com carinho do Vilmar.
PS: Ingrato é que não sou e
nossos momentos felizes - como esse em que você salvou minha vida - seguem
comigo e vou esquecer nunca.
E aqui a canção
do REM, que sempre me lembra... do meu telefone fixo :)
Um comentário:
H, vou guardar seu número de fixo no meu caderninho (digo, na minha agenda do celular, né), assim em anos futuros o 3081 e o 881 também me trarão memórias. Bjs Marlene
Postar um comentário