terça-feira, 24 de abril de 2018

Todo seio nu será excluído: a fúria dos algoritmos




O post já sem a foto
É bela a foto de Walter Luiz e foi publicada pela revista O Cruzeiro, em junho de 1970, numa reportagem de seis páginas nas filmagens de Como Era Gostoso o Meu Francês. Nela aparecem sorridentes o diretor Nelson Pereira dos Santos sem camisa e a atriz Ana Maria Magalhães, a índia Seboipep, com os seios de fora. Sábado, dia em que morreu Nelson Pereira dos Santos, Ana escreveu um belíssimo post no facebook em homenagem ao diretor e com duas fotos dessa matéria. A "com os seios de fora" foi excluída pouco depois. Sim, foi apagada da postagem da própria atriz.




No domingo pela manhã, postei a foto com um aviso: "Atenção, facebook: essa foto linda saiu na revista semanal O Cruzeiro. E a nudez é simplesmente porque o filme é sobre índios e eles andavam nus. Obrigado.". Demorou quase dois dias para receber o aviso da remoção (ao lado, o "censurado" fui eu quem escrevi) por "não seguir nossos Padrões da Comunidade", o que já havia ocorrido no Instagram, minutos depois da postagem. A postagem segue em minha linha do tempo do facebook, com o seguinte aviso: "Nós analisamos sua publicação novamente e ela não está em conformidade com nossos Padrões da Comunidade relacionados à nudez ou atividade sexual. Apenas você pode ver esta publicação." Lerda em impedir o vazamento de dados de seus usuários, a firma de Mark Zuckerberg é agilíssima quando se trata de nudez  - seios parecem ser inimigos número um.


Primeiro grande filme histórico nacional, Como Era Gostoso o Meu Francês conseguiu um certificado de censura livre em plena ditadura militar, não sem antes haver proibição para todas as idades. "Alegando "exploração em excesso por problemas de sexo", além de "mostrar desnecessariamente o nu masculino", o Serviço de Diversões Públicas do Departamento de Polícia Federal veta a exibição de Como Era Gostoso o Meu Francês em todo o território nacional, liberando-o apenas para o exterior". escreve Helena Salem no livro Nelson Pereira dos Santos - O Sonho Possível do Cinema Brasileiro.

censura livre
Nelson Pereira dos Santos foi a Brasília tentar a liberação do filme e após algumas tratativas a censura aceitou negociar o nu dos índios, mas não do homem branco. Sim, o "problema" era a nudez de Jean (Arduíno Colassanti), o francês que viveu entre os índios, o personagem título do filme. O impasse rendeu uma bela crônica de Clarice Lispector no Jornal do Brasil (abaixo), em outubro de 1971: "Talvez seja inocência minha, mas por favor me respondam: qual a diferença entre o corpo nu de um índio e o corpo nu de um homem branco?".

Em novembro, o filme foi liberado, com alguns cortes e, surpresa, "censura livre". Já havia sido exibido da Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes (foi rejeitado pela seleção oficial por causa da nudez de seus personagens, dizia Nelson) e na mostra competitiva do Festival de Berlim. A estreia no Rio de Janeiro foi em janeiro de 1972 e o filme foi sucesso de público.

"Será que daqui a pouco nos escandalizaremos se virmos um menino branco nu? Por que em menino pode e em adulto não pode?", escreveu Clarice no finalzinho da crônica. Ela nem imaginava que quase quarenta anos depois, em pleno século 21, a foto de uma atriz com os seios nus seria censurada pela poderosa rede social. E da página da própria atriz. É o terror dos novos velhos tempos, travestido de algoritmos.

A crônica de Clarice Lispector citada no texto

Jornal do Brasil, 16 de novembro de 1971
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E aqui, Ana Maria Magalhães fala de Nelson Pereira dos Santos, sobre as filmagens de Como Era Gostoso o Meu Francês e o vídeo inclui imagens do filme


E aqui, a matéria completa pela revista O Cruzeiro, em junho de 1970





Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Vi o filme no You Tube,adorei.Muito bom o vídeo com Ana Maria Magalhães.Leila Diniz deve ter feito outro filme com ela.

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