O post já sem a foto |
É bela a foto de Walter Luiz
e foi publicada pela revista O Cruzeiro, em junho de 1970, numa reportagem de
seis páginas nas filmagens de Como Era Gostoso o Meu Francês. Nela aparecem sorridentes
o diretor Nelson Pereira dos Santos sem camisa e a atriz Ana Maria Magalhães, a
índia Seboipep, com os seios de fora. Sábado, dia em
que morreu Nelson Pereira dos Santos, Ana escreveu um belíssimo post no
facebook em homenagem ao diretor e com duas fotos dessa matéria. A "com os
seios de fora" foi excluída pouco depois. Sim, foi apagada da postagem da
própria atriz.
No domingo pela manhã, postei a foto
com um aviso: "Atenção,
facebook: essa foto linda saiu na revista semanal O Cruzeiro. E a nudez é
simplesmente porque o filme é sobre índios e eles andavam nus. Obrigado.".
Demorou quase dois dias para receber o aviso da remoção (ao lado, o
"censurado" fui eu quem escrevi) por "não seguir nossos Padrões da Comunidade", o que já
havia ocorrido no Instagram, minutos depois da postagem. A postagem segue em
minha linha do tempo do facebook, com o seguinte aviso: "Nós analisamos
sua publicação novamente e ela não está em conformidade com nossos Padrões da Comunidade relacionados à
nudez ou atividade sexual. Apenas você pode ver esta publicação." Lerda em
impedir o vazamento de dados de seus usuários, a firma de Mark Zuckerberg é
agilíssima quando se trata de nudez -
seios parecem ser inimigos número um.
Primeiro grande filme histórico nacional, Como Era Gostoso o Meu Francês
conseguiu um certificado de censura livre em plena ditadura militar, não sem
antes haver proibição para todas as idades. "Alegando "exploração em
excesso por problemas de sexo", além de "mostrar desnecessariamente o
nu masculino", o Serviço de Diversões Públicas do Departamento de Polícia
Federal veta a exibição de Como Era Gostoso o Meu Francês em todo o território
nacional, liberando-o apenas para o exterior". escreve Helena Salem no
livro Nelson Pereira dos Santos - O Sonho Possível do Cinema Brasileiro.
censura livre |
Nelson Pereira dos Santos foi a Brasília tentar a liberação do filme e
após algumas tratativas a censura aceitou negociar o nu dos índios, mas não do
homem branco. Sim, o "problema" era a nudez de Jean (Arduíno
Colassanti), o francês que viveu entre os índios, o personagem título do filme.
O impasse rendeu uma bela crônica de Clarice Lispector no Jornal do Brasil
(abaixo), em outubro de 1971: "Talvez seja inocência minha, mas por favor
me respondam: qual a diferença entre o corpo nu de um índio e o corpo nu de um
homem branco?".
Em novembro, o filme foi liberado, com alguns cortes e, surpresa, "censura
livre". Já havia sido exibido da Quinzena dos Realizadores do Festival de
Cannes (foi rejeitado pela seleção oficial por causa da nudez de seus
personagens, dizia Nelson) e na mostra competitiva do Festival de Berlim. A estreia no Rio de Janeiro foi em janeiro de 1972 e o filme foi sucesso de público.
"Será que daqui a pouco nos escandalizaremos se virmos um menino
branco nu? Por que em menino pode e em adulto não pode?", escreveu Clarice
no finalzinho da crônica. Ela nem imaginava que quase quarenta anos depois, em
pleno século 21, a foto de uma atriz com os seios nus seria censurada pela
poderosa rede social. E da página da própria atriz. É o terror dos novos velhos
tempos, travestido de algoritmos.
A crônica de Clarice Lispector citada no texto
Jornal do Brasil, 16 de novembro de 1971 |
.
E aqui, Ana Maria Magalhães fala de Nelson Pereira dos Santos, sobre as filmagens de Como Era Gostoso o Meu Francês e o vídeo inclui imagens do filme
E aqui, a matéria completa pela revista O Cruzeiro, em junho de 1970
Um comentário:
Vi o filme no You Tube,adorei.Muito bom o vídeo com Ana Maria Magalhães.Leila Diniz deve ter feito outro filme com ela.
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