sexta-feira, 6 de abril de 2018

Farol Santander, mais um truque paulistano




a vista puxadinho do café
"É um truque", disse para todos que me perguntavam do Instituto Moreira Salles da Paulista. Depois de conhecer o Farol Santander, minhas noções de truque foram elevadas a outras e maiores potências e até simpatizo mais com o espaço cultural da Paulista. Impressionante: o poderoso banco espanhol conseguiu até miguelar a vista da cidade, a cereja do bolo do portentoso edifício Altino Arantes, o velho prédio do Banespa, que ficou um ano sendo reformado. A vista virou dois puxadinhos (um de cada lado e protegidos por altos vidros),  do Café Suplicy, que ocupa lugar majestoso no 26º andar. É como se tudo fosse construído pra destacar o tal café. E a vista aquela, após esse andar, que se tinha acesso subindo escadas até o ponto mais alto do prédio? Impossível chegar até lá, está fechada.


Mapa do farol
No hall da entrada há um lustre gigante - 13 metros e 1,5 tonelada. "Boa experiência", saúdam os funcionários do "centro de entretenimento, cultura e lazer", como se os visitantes estivessem prontos a penetrar em outros e desconhecidos mundos. "Experiência" aí é marketing, aquilo que move os truques e os transforma em lugares badalados. "Ah, é incrível tomar um café lá no alto com vista para a cidade?": ah tá. 


A "experiência" não é gratuita, ao contrário de outros espaços culturais mantidos por grandes bancos. Preço do ingresso: 20 reais e 10, meia. E clientes Santander? Olha, os felizardos tem dez por cento na entrada inteira, incríveis dois reais. "Ah, mas cobrar ingresso é bom e seleciona": isso é meio clichê entre esnobes paulistanos.


Há uma pista de skate e o 25º andar foi transformando em loft, que "pode ser reservado pelo Airbnb" (uau!), e diárias em torno de R$ 3500. "É de luxo!". Claro que o loft, para poucos e endinheirados, não pode ser visitado. ~

E as exposições? É aí que o cheiro de truque cala mais alto. Pra começar elas nem  têm catálogo ou folhetos distribuídos para quem pagou o ingresso. "O espaço é novo (inaugurou em fevereiro, presente do banco no aniversário da cidade) e no futuro pode ter"", dizem os solícitos funcionários. Obrigado pela informação, pode ser novo sim, mas cobra ingresso, né.

A principal exposição do que eles chamam "arte imersiva" é uma daquelas instalações toda luzes e efeitos. Interessante sim, mas léguas distante de uma "experiência". Para apreciar melhor, deita-se em pufes e é como se ficasse a um metro de uma explosão de fogos de artifícios, com algumas explosões que trazem as tais sensações. E de quem é? Do coletivo Tundra.

No andar abaixo, o 22º, o truque explode em Diurnas, de Laura Vinci. Paredes brancas, uma ou duas cruzes em vermelho e muitas e pequenas pombas, unicórnios ou algo semelhante (???)  em dourado, espalhados pelas paredes brancas. Minha sensação maior foi diante dos vidros das janelas com a vista para a cidade: imundos, não devem ver um pano há anos. Havia algo mais para ver ali? Um site me diz que sim: "Uma experiência íntima de paisagens e natureza: através de projeções em videomapping que ocupam as paredes laterais da sala, o público pode ver sombras de árvores evidenciadas ou apagadas pela ausência ou incidência da luz, no ritmo da respiração. No ambiente, folhas de árvores cobertas de ouro incitam a reflexão sobre essa natureza cada vez mais rara e distante das cidades." Repito: não vi nada disso, projeção nenhuma, apenas muito vazio, paredes brancas e a sujeira dos vidros das janelas. Em outros dois andares há uma expo Saramago, com um monte de vídeos que preferi deixar de lado.

A parte memória fica nos andares inferiores

Bom, fim das expos. Agora é a parte "Memória", do segundo ao quinto andares. Duas salas com os retratos dos homens que fizeram a história da coisa toda, os presidentes do Banco Agrícola, depois Banespa e, enfim, Santander. Apenas olhei da porta, assustado com o poder daquele homaredo todo branco e com cara de poder. Fotografei da porta esse na foto ao lado pelo visual ator pornô dos 70/80. Depois são escritórios e salas de reuniões preservados com móveis e objetos de outros tempos. Nada que não tenha na Caixa da Praça da Sé, por sinal. O que mais? Ah, tem um andar Vik Muniz, com painéis de fotos do prédio com o toque dele. "olha, que paulistano".

Finda "experiência", recorro as escadas do segundo andar para acessar o térreo e respirar, mas quem disse que consigo? Porta anti-fogo fechadíssima, saída só pelo elevador, que demora e demora, trazendo sensação de claustrofobia. Foi uma experiência sim conhecer o Farol Santander. Uma experiência horrível e com a sensação do truque que ergue e destrói coisas belas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Acho um absurdo esse lugar cobrar entrada. Foi bom achar esse seu texto.

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