a vista puxadinho do café |
"É um truque",
disse para todos que me perguntavam do Instituto Moreira Salles da Paulista.
Depois de conhecer o Farol Santander, minhas noções de truque foram elevadas a outras
e maiores potências e até simpatizo mais com o espaço cultural da Paulista.
Impressionante: o poderoso banco espanhol conseguiu até miguelar a vista da
cidade, a cereja do bolo do portentoso edifício Altino Arantes, o velho prédio
do Banespa, que ficou um ano sendo reformado. A vista virou dois puxadinhos (um
de cada lado e protegidos por altos vidros), do Café Suplicy, que ocupa lugar majestoso no
26º andar. É como se tudo fosse construído pra destacar o tal café. E a vista
aquela, após esse andar, que se tinha acesso subindo escadas até o ponto mais
alto do prédio? Impossível chegar até lá, está fechada.
Mapa do farol |
No hall da entrada há um lustre gigante - 13 metros e 1,5 tonelada. "Boa experiência",
saúdam os funcionários do "centro de entretenimento, cultura e lazer",
como se os visitantes estivessem prontos a penetrar em outros e desconhecidos
mundos. "Experiência" aí é marketing, aquilo que move os truques e os
transforma em lugares badalados. "Ah, é incrível tomar um café lá no alto
com vista para a cidade?": ah tá.
A "experiência"
não é gratuita, ao contrário de outros espaços culturais mantidos por grandes
bancos. Preço do ingresso: 20 reais e 10, meia. E clientes Santander? Olha, os
felizardos tem dez por cento na entrada inteira, incríveis dois reais.
"Ah, mas cobrar ingresso é bom e seleciona": isso é meio clichê entre
esnobes paulistanos.
Há uma pista de skate e o
25º andar foi transformando em loft, que "pode ser reservado pelo Airbnb"
(uau!), e diárias em torno de R$ 3500. "É de luxo!". Claro que o loft,
para poucos e endinheirados, não pode ser visitado. ~
E as exposições? É aí que o
cheiro de truque cala mais alto. Pra começar elas nem têm catálogo ou folhetos distribuídos para
quem pagou o ingresso. "O espaço é novo (inaugurou em fevereiro, presente
do banco no aniversário da cidade) e no futuro pode ter"", dizem os
solícitos funcionários. Obrigado pela informação, pode ser novo sim, mas cobra
ingresso, né.
A principal exposição do que
eles chamam "arte imersiva" é uma daquelas instalações toda luzes e
efeitos. Interessante sim, mas léguas distante de uma "experiência".
Para apreciar melhor, deita-se em pufes e é como se ficasse a um metro de uma
explosão de fogos de artifícios, com algumas explosões que trazem as tais
sensações. E de quem é? Do coletivo Tundra.
No andar abaixo, o 22º, o
truque explode em Diurnas, de Laura Vinci. Paredes brancas, uma ou duas cruzes
em vermelho e muitas e pequenas pombas, unicórnios ou algo semelhante (???) em dourado, espalhados pelas paredes brancas.
Minha sensação maior foi diante dos vidros das janelas com a vista para a
cidade: imundos, não devem ver um pano há anos. Havia algo mais para ver ali?
Um site me diz que sim: "Uma experiência íntima de paisagens e natureza:
através de projeções em videomapping que ocupam as paredes laterais da sala, o
público pode ver sombras de árvores evidenciadas ou apagadas pela ausência ou
incidência da luz, no ritmo da respiração. No ambiente, folhas de árvores
cobertas de ouro incitam a reflexão sobre essa natureza cada vez mais rara e
distante das cidades." Repito: não vi nada disso, projeção nenhuma, apenas
muito vazio, paredes brancas e a sujeira dos vidros das janelas. Em outros dois andares há
uma expo Saramago, com um monte de vídeos que preferi deixar de lado.
A parte memória fica nos andares inferiores |
Bom, fim das expos. Agora é
a parte "Memória", do segundo ao quinto andares. Duas salas com os
retratos dos homens que fizeram a história da coisa toda, os presidentes do
Banco Agrícola, depois Banespa e, enfim, Santander. Apenas olhei da porta,
assustado com o poder daquele homaredo todo branco e com cara de poder. Fotografei da porta esse na foto ao lado pelo visual ator pornô dos 70/80. Depois são escritórios e salas
de reuniões preservados com móveis e objetos de outros tempos. Nada que não
tenha na Caixa da Praça da Sé, por sinal. O que mais? Ah, tem um andar Vik
Muniz, com painéis de fotos do prédio com o toque dele. "olha, que
paulistano".
Finda "experiência",
recorro as escadas do segundo andar para acessar o térreo e respirar, mas quem
disse que consigo? Porta anti-fogo fechadíssima, saída só pelo elevador, que
demora e demora, trazendo sensação de claustrofobia. Foi uma experiência sim
conhecer o Farol Santander. Uma experiência horrível e com a sensação do truque
que ergue e destrói coisas belas.
Um comentário:
Acho um absurdo esse lugar cobrar entrada. Foi bom achar esse seu texto.
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