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Clarice Lispector com o marido e filhos no Natal de 1956, EUA. Do livro Fotobiografia |
Esta crônica natalina encerra a coluna de Clarice Lispector no JB em 23 dezembro de 1968
Meu Natal
Como as crianças eram
pequenas e não conseguiriam se manter acordadas para uma ceia, ficou como
hábito que o Natal seria comemorado não à meia-noite, mas sim no almoço do dia
seguinte. Depois os meninos cresceram mas o hábito ficou. É no dia 25 pela manhã
que vêm os presentes.
Pelo fato da ceia de Natal
ser no dia 25, eu fiquei sempre livre na noite de 24 de dezembro. Mas há três
ou quatro anos tenho um compromisso sagrado para noite de 24.

E tive uma ideia: daquele
Natal em diante, nós passaríamos parte da noite de 24 juntas, jantando num
restaurante. Encontrar-nos-íamos às oito e pouca da noite, ela veria como os
restaurantes estão cheio de pessoas que não têm lar ou ambiente de lar para
passar o Natal e o celebram alegremente na rua. Depois do jantar, ela me deixa
em casa com o seu carro, e vai para casa buscar a tia para irem à Misssa do
Galo. Nós combinamos que cada uma paga a sua parte no jantar e que trocaremos
presentes: o presente é a presença de uma para a outra.
Mas houve um Natal em que
minha amiga quebrou a combinação e, sabendo-me não religiosa, deu-me um missal.
Abri-o, e nele ela escrevera: reze por mim.
No ano seguinte, em
setembro, houve o incêndio em meu quarto, incêndio que me atingiu tão
gravemente que fiquei alguns dias entre vida e morte. Meu quarto foi inteiramente
queimado: o estuque das paredes e do teto caiu, os móveis foram reduzidos a pó,
e os livros também.
Não tenho explicar o que
aconteceu: tudo se queimou, mas o missal ficou intato, apenas com um leve
chamuscado na capa.
Jornal
do Brasil, 21 de dezembro de 1968