sábado, 9 de dezembro de 2017

A mulher que “popularizou” Clarice Lispector

Bethânia na capa de A Cena Muda e Clarice por Loredano


Você já viu foto de Clarice Lispector e Maria Bethânia juntas? Eu nunca – e já procurei bastante. E Bethânia, senhores, foi quem levou a escritora que tinha fama de hermética, difícil, para um público maior, incluindo seus textos em shows. Bom lembrar: os direitos pelos textos rendiam muito mais que a venda de muitos livros de Clarice, que costumava passar por dificuldades financeiras. Essa faceta de Bethânia não costuma ser muito reconhecida. O nome dela aparece em duas citações no índice remissivo da biografia de Clarice escrita por Benjamin Moser. A primeira na introdução (“Ficou mortificada quando Maria Bethânia se jogou a seus pés, exclamando “minha deusa!”) e a outra sobre uma festa de aniversário de Clarice, com Bethânia e Chico Buarque como convidados.

“Maria Bethânia me telefonou, querendo me conhecer. Conheço ou não? Dizem que é delicada. Vou resolver”, Clarice registrou, em dezembro de 1967, em crônica publicada no Jornal do Brasil. Era o primeiro ano que escrevia a coluna no jornal e parecia “assustada” com a popularidade. “Maria Bethânia me conhece dos livros. O Jornal do Brasil está me tornando popular”, escreve mais adiante.

“Curto Clarice desde os 14 anos quando li o conto A Legião Estrangeira. Fiquei fascinada, passei a reler suas histórias, tornei-me sua amiga e pude observar que suas narrações, apesar de não serem de uma linguagem tão simples, se interpõem à própria autora, que foi a rainha da simplicidade”, disse Bethânia em entrevista de 1984, época de A Hora da Estrela, o espetáculo que fez baseado o livro de Clarice.

A meninice, esses “14 anos” que Bethânia lembra, se refere a Santo Amaro da Purificação e a leitura de A Legião, recomendada pelo irmão Caetano Veloso,  veio através da revista Senhor, que publicava os contos de Clarice no fim dos anos 50. Foi em 1967 que Clarice subiu ao palco na voz da cantora. O primeiro texto foi Mineirinho, que provocava comoção em Comigo me Desavim, dirigido por Fauzi Arap. Depois veio a explosão Rosa dos Ventos, também com Fauzi como diretor, que apresentava um trecho do ainda inédito Água Viva. “Fiquei surpreso quando descobri que ela acabava ganhando mais com sua pequena participação na bilheteria do show do que com a publicação de muitos de seus livros”, escreveu Fauzi no livro de memórias Mare Nostrum.

Em 1973, Drama – Luz da Noite, outro show antológico de Bethânia, dirigido por Antonio Bivar e Isabel Câmara, também trouxe texto inédito de Clarice. “Como a maioria dos escritores, que volta e meia passam por dificuldades financeiras, Clarice nessa época tinha as suas. Bethânia tinha adoração por ela e foi extremamente generosa para com a escritora quanto aos royalties. Discretamente, sem nenhum alarde, por meio de seu empresário, ordenou à SBAT que, de todos os pagamentos aos autores do texto do show, arrecadasse uma parte maior da renda bruta para Clarice. Por um texto de oito linhas Clarice Lispector recebia 1% da renda do show em toda a sua temporada e, posteriormente, no disco. Pelo nosso trabalho de diretores do espetáculo e autores de alguns textos, Isabel e eu recebíamos, via SBAT, 2,5% cada um.”, conta Antonio Bivar no livro de memórias Aos Quatro Ventos.

“Ela vem sempre aqui conversar comigo, que criatura adorável. Todo show meu tem um texto dela. Menos este que não tem texto nenhum, só música, pois é “A Cena Muda”, contou Bethânia a Fernando Sabino em entrevista publicada no jornal do Brasil, em 1974. Dez anos depois, ela faria um espetáculo inteiro em cima de um livro de Clarice: A Hora da Estrela, direção de Naum Alves de Souza, em que dizia as falas de Macabéa. Infelizmente esse não fez sucesso e não foi lançado em disco - há uma gravação do show no youtube (no final). Canções compostas especialmente para o show - A Hora da Estrela de Cinema, O Nome da Cidade, Da Gema, Para eu Parar de me Doer - estão em A Beira e o Mar, daqueles discos que marcaram viradas na carreira da cantora. Os textos de Clarice Lispector, assim como os de Fernando Pessoa, outro “popularizado” por ela, seguem como presença marcante nos shows de Maria Bethânia. E a foto de Clarice e Bethânia juntas, existe?


Aqui, Clarice e o LSD por Fauzi Arap
http://viledesm.blogspot.com.br/2017/12/clarice-lispector-e-o-lsd-por-fauzi-arap.html

Gravação do show A Hora da Estrela (1984) no youtube




Um comentário:

AmandaCV disse...

Olá, gostaria de lhe fazer algumas perguntas sobre esse texto, poderíamos conversar por email?
Você teria algum endereço eletrônico para onde eu possa mandar minhas dúvidas?

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